terça-feira, março 25, 2008

DAQUELES QUE NÃO PODEM SE CASAR (ARTIGO 1521 / CC)

DAQUELES QUE NÃO PODEM SE CASAR(ARTIGO 1521 / CC)
HISTÓRIA
No direito romano, o casamento do direito civil (connubium) era reservado aos cidadãos, tendo sido inicialmente denegado aos estrangeiros e aos escravos. Existiam impedimentos para o casamento oriundo da diferença de posição social entre os nubentes. Assim é que a Lei das XII Tábuas proibiu o casamento de plebeus com patrícios, só tendo sido revogada pela Lei Canuleía, de 445 a.c.. Até a Lei Júlia, de Augusto, ingênuo não podia casar com liberto, e as Constituições proibiram o casamento de mulher livre com colono.
Coube ao direito canônico assegurar a liberdade dos casamentos, reconhecendo, em tese, a todos capacidade para casar e estabelecendo impedimentos a fim de evitar a realização de casamentos contrários às normas vigentes. O direito canônico criou a distinção entre impedimentos dirimentes - que impedem o casamento e, no caso de sua celebração dão margem à sua anulação ou à declaração de sua nulidade - e impedimentos impedientes, que impedem, mas não invalidam o casamento, funcionando a priori, mas não a posteriori. Entre os principais impedimentos a que se refere o direito canônico podemos citar o fato de a mulher ter menos de quatorze anos ou o homem menor de dezesseis anos, a impotência, o casamento anterior, a consangüinidade, o parentesco civil, a afinidade, a disparitas cultu, ou seja, a religião diferente entre os cônjuges, o parentesco pelo batismo e o voto solene de castidade. Não sendo ambos os nubentes da mesma religião, só poderia haver casamento religioso se o cônjuge não católico prometesse educar os filhos de acordo com os princípios católicos.


IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS – ESTADO
A fim de que o casamento seja validamente celebrado, mister se faz que entre os nubentes não haja impedimento matrimonial. A celebração do matrimônio é precedida de processo de habilitação (dar publicidade, mediante editais, ao projetado casamento, convocando, assim, quaisquer pessoas que saibam de algum impedimento para que venham opô-lo, evitando que o enlace malsinado se realize) levado a efeito perante o oficial do Registro Civil, com o objetivo de impedir que o casamento se realize com inobservância de formalidades legais, dentre as quais a capacidade matrimonial, ou infração de algum impedimento dos que a lei consigna (atitude preventiva do Estado). Nesse processo, em que as partes instruem o pedido com os documentos exigidos por lei (1525/CC) e com os quais visam demonstrar estarem em condições de contrair casamento, podem ser opostos impedimentos matrimoniais. O Estado assume, em face da pessoa impedida que quer casar-se, duas atitudes. A primeira é essa atitude preventiva, se demonstrada a existência de empecilho, proíbe-se a realização do matrimônio. A segunda é a atitude repressiva, que tem lugar quando, a despeito da existência de um impedimento, efetua-se o casamento. Nessa hipótese, o Estado reage contra o ato infringente do mandamento legal para fulmina-lo de nulidade.

INCAPACIDADE x IMPEDIMENTO
A incapacidade estampa o conceito amplo de falta de aptidão para os atos da vida civil e inibe qualquer pessoa de casar (a pessoa que se tem em vista não pode casar-se com quem quer que seja, como no caso do menor de 16 anos ou do indivíduo já casado). Não alcançada a idade núbil (16 anos), o casamento só excepcionalmente poderá ser permitido, para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez (1520/CC). A partir dos 16 anos (1517/CC), embora relativamente incapazes para os atos da vida civil em geral, os menores podem casar-se, exigindo-se a autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, até atingirem a maioridade. O impedimento matrimonial são as proibições que a lei atribuí a pessoas que pretendem contrair determinado casamento / ausência de requisitos para o casamento. Esta relacionado a idéia de falta de legitimação. Aqui não se trata de uma incapacidade genérica, mas sim de uma inaptidão do nubente para se casar com determinada pessoa. A pessoa não é incapaz para o casamento, podendo, se quiser, contrair núpcias com quem lhe aprouver. São verdadeiros óbices ao casamento, ensejando a absoluta nulidade (art. 1548, II/CC) do matrimônio realizado em desrespeito a essas restrições, tendo em vista a gravidade do vício.



Portanto, quando se fala em impedimentos matrimoniais esta se atentando a fatos ou situações que afetam os contraentes ao lado dos elementos essenciais ou intrínsecos, quais sejam, a diferença de sexos, o consentimento e a manifestação de vontade (constatado o defeito na manifestação de vontade, o interessado deve pleitear a anulação do matrimônio – 1550/CC). Destarte, os impedimentos não se confundem com os pressupostos de existência e validade do casamento. A ilegitimidade é correspectiva, isto é, atinge o grupo de pessoas, ascendentes e descendentes, sogro e nora etc., jamais é de uma só das partes. A incapacidade, por seu lado, atinge apenas o indivíduo isoladamente, como na menoridade (Orlando Gomes). Os impedimentos estão, portanto, taxativamente enumerados e não podem ser ampliados por via interpretativa. A sociedade, no intuito de preservar a família, tendo em vista considerações eugênicas e morais, edita essas sete proibições (1.521/CC), que visam: impedir núpcias incestuosas, preservar a monogamia e evitar enlaces que deitem raízes em crime.

ARTIGO 1.521 DO CÓDIGO CIVIL
São considerados os impedimentos dirimentes absolutos, que por sua maior gravidade são de natureza pública (interesse geral a decretação da nulidade). Não admitem correção, tornando o casamento absolutamente nulo. A decretação de nulidade de casamento, pela infringência de impedimento, pode ser promovida mediante ação direta, por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público (1549/CC); A ação de nulidade é imprescritível; Nulidade – boa-fé / má-fé – efeitos (1561/CC);

I – Os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil – se funda em razões morais (impedir núpcias incestuosas e a concupiscência no ambiente familiar) e a eugênica (para preservar a prole de taras fisiológicas, malformações somáticas, defeitos psíquicos). A primeira parte da regra é de cristalina evidência, pois não se pode permitir o casamento entre pais e filhos, avós e netos etc., uma vez que na linha reta o impedimento vai, teoricamente, até o infinito. Portanto, o impedimento abrange todo e qualquer grau de parentesco da linha reta, quer seja ele matrimonial decorrente de justas núpcias, quer natural (CC, art.1.593), proveniente de relações convivências concubinárias ou esporádicas. A segunda parte contempla, dentre outros, o caso de adoção (procura imitar a natureza, o adotante se apresenta, em face do adotado, no lugar de pai ou mãe). O impedimento proíbe o casamento entre adotante e adotado (seria repugnante ao sentimento moral da coletividade admitir esse casamento).





II – Os afins em linha reta – parentesco por afinidade é aquele que liga uma pessoa aos parentes de seu cônjuge ou companheiro. A afinidade só constitui restrição ao casamento quando em linha reta, não na colateral. Assim, não se podem casar genro e sogra, nora e sogro; mas, por outro lado, não estão impedidos de convolar núpcias os cunhados.
Em linha reta, a afinidade nunca se extingue, nem com a dissolução do casamento e nem com a dissolução da união estável (1595, §2º). Tendo em vista a proteção constitucional à união estável, é indiscutível que essa situação deve gerar os efeitos impeditivos (cria afinidade). Mas na linha colateral se extingue, de sorte que o cunhadio desaparece com o desate do nó conjugal. O inciso fala em afinidade, qualquer que seja sua origem; assim também a interpretação adequada desse inciso é a que entende estarem proibidos de casar a pessoa com o filho de seu cônjuge havido ou não fora do casamento, ou com o pai do cônjuge, mesmo se este não nasceu de uma relação matrimonial.

III – O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem foi cônjuge do adotante – como a adoção procura imitar a natureza, o adotante figura, em face da viúva do adotado, como se fora seu sogro; e a viúva do adotante, em face do adotado, como que representa a mãe deste. As restrições relativas à adoção devem ser idênticas às da família biológica. A adoção regulada pelo ECA e pelo C.C é irrevogável e em tudo se assemelha à relação natural, não se admitindo tratamento diferenciado.


Daí a natural repugnância, de caráter exclusivamente moral, em permitir tais casamentos. Modificados os princípios e efeitos da adoção nas últimas décadas, o C.C repete a referência a esse impedimento, embora fácil já seria sustentar a inclusão das pessoas aqui especificadas no impedimento decorrente da afinidade em linha reta. A lei procurou enfatizar essa situação a procura de preservar o sentido ético e moral da família, independentemente da natureza do vínculo.

IV – Os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive – colaterais são parentes que descendem de um tronco comum, sem descenderem uns dos outros. O parentesco colateral se conta por gerações, partindo de uma pessoa, até o ancestral comum, e dele descendo até o parente que se tem em vista. Cada geração é representada por um grau. Assim, irmãos (nascidos ou não de justas núpcias) são parentes em segundo grau, pois, para contar os graus, sobe-se até o pai (um grau), e desce-se ao irmão (outro grau).
Colaterais em terceiro grau são os tios e sobrinhos, pois, para se contar os graus desse parentesco, parte-se, por exemplo, do sobrinho ao seu pai (um grau), vai-se ao avô (dois graus) e desce-se ao tio (três graus). Irmãos bilaterais são os que têm o mesmo pai e a mesma mãe; unilaterais, aqueles em que só um dos progenitores é o mesmo. O impedimento decorrente do parentesco colateral em segundo grau alcança os irmãos germanos (bilaterais) e os unilaterais. E, considerando que, pela adoção no C.C, forma-se o vínculo pleno entre o adotado e os parentes do adotante, a origem da filiação é irrelevante à verificação desse impedimento.


O C.C de 2002, ao estender esse impedimento aos colaterais até terceiro grau, limitou-se a reproduzir, inadvertidamente, o impedimento previsto na legislação de 1916. A proibição se estribava em preocupação de caráter genético.
Todavia, o Decreto-lei n. 3.200/41, a chamada lei de proteção à família, visando incentivar os casamentos, veio tornar legal o casamento entre colaterais de terceiro grau, uma vez comprovado não haver inconveniente, do ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole, na realização do projetado matrimônio. De acordo com o art. 2º desse decreto-lei, os parentes naquele grau, que quiserem casar-se, requererão, no processo de habilitação, sejam nomeados dois médicos para examina-los e atestar-lhes a sanidade. Se os médicos opinarem favoravelmente, deixa de existir o impedimento em questão. O Enunciado n. 98 (aprovado nas Jornadas de Direito Civil, promovidas em 2002 pelo Conselho de Justiça Federal), que assim dispõe:” o inc. IV do art.1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado a luz do Dec.-lei n.3.200/41, no que se refere à possibilidade do casamento entre colaterais de 3º grau, quando apresentado laudo médico que assegure inexistir risco à saúde dos filhos que venham a ser concebidos”. O autor, Silvio Rodrigues, considera tratar-se a previsão do casamento entre colaterais de terceiro grau de regra específica, inserida em legislação própria de proteção à família, não terá sido revogada pela codificação geral posterior. Ademais, seria um retrocesso obstar os casamentos nestas condições, tão bem superadas pelo decreto referido.



V – O adotado com o filho do adotante – o caráter moral justifica este impedimento, ou seja, impede o casamento do adotado com o filho do pai ou mãe adotiva.
A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres (art. 41/ECA e art. 1.626, § único, do C.Civil prescreve: ”A adoção atribui situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento” ). O filho do adotante vai tomar, dentro da célula familiar, a posição de irmão do adotado. O legislador, decerto para não encorajar a concupiscência entre essas pessoas, que se devem ligar por amor fraterno, cria entre elas o impedimento em questão. As legislações alemã, suíça, austríaca, húngara, uruguaia e colombiana não adota esse impedimento. Convém destacar a pertinência desta regra apenas ao se considerarem as adoções consumadas na legislação anterior, por ela exclusivamente estabelecida no que se refere ao parentesco mais restrito, então, a determinadas situações. Isto porque, na sistemática proposta pelo novo Código, “a adoção atribui a condição de filho ao adotado”, com o que por si só haveria impedimento das pessoas aqui indicadas com fundamento ao inciso IV do art. 1521/CC, tornando desnecessária essa restrição individualizada. Portanto, pelo presente dispositivo o adotado estará impedido de se casar com as irmãs anteriores ou posteriores à adoção. A restrição imposta a esse filho adotivo é de igual magnitude imposta à família biológica.





VII – O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte – o Código francês não consigna esse impedimento, já o italiano, sim. No direito anterior (Decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890) ao Código revogado, para que tal impedimento ocorresse, mister se fazia que o cônjuge sobrevivente estivesse conivente com o criminoso, com quem, agora, quer casar-se.
A partir de 1916, essa cumplicidade já não se reclamava, e assim igualmente se apresenta a questão no novo Código. BEVILÁQUA e ESPÍNOLA entendem que o impedimento se funda na idéia de que o cônjuge sobrevivente deveria normalmente sentir, pelo assassino de seu consorte, invencível aversão. Se não a sente é porque estava conivente com o crime, razão por que é merecedor da punição, representada pelo impedimento que obsta o seu casamento com o autor do homicídio. O autor, Silvio Rodrigues, gosta mais do impedimento na forma consignada pelo Decreto de 1890 do que em sua redação atual. Não o seduz a idéia de presumir a cumplicidade num crime; a existência dessa prova representava um elemento de segurança para o cônjuge sobrevivente.
O impedimento só abrange o homicídio doloso, pois no homicídio culposo não há o intuito de eliminar um dos cônjuges, para desposar o outro, de modo que não existe razão para punir o autor com um impedimento matrimonial, só justificável pelo seu caráter intimidador. É ainda pressuposto da lei que o delinqüente tenha sido condenado pelo homicídio ou pela sua tentativa. Se matou mas foi absolvido, ou se o crime prescreveu, extinguindo-se a punibilidade, não se configura o impedimento matrimonial. A anistia, a graça ou o perdão não têm o condão de fazer desaparecer esse impedimento. O impedimento deve ser estendido a união estável.



OPOSIÇÃO DOS IMPEDIMENTOS
A oposição é o ato de pessoa legitimada, praticado antes da celebração do casamento, indicando ao oficial perante que se processa a habilitação, ou à autoridade que celebra a solenidade, a existência de um dos fatos indicados na lei como obstativo ao matrimônio. Como medida preventiva, abre o legislador amplamente as portas da oposição, permitindo a qualquer pessoa capaz a apresentação do impedimento (até o momento da celebração do casamento). Bons passos foram dados ao se prever, no parágrafo único do art. 1522, que se o juiz, ou o oficial de registro, tiver conhecimento da existência de algum impedimento, será obrigado a declará-lo (em caso de omissão, responderão nas esferas civis, administrativas e criminais), impondo uma obrigação antes de caráter facultativo. O procedimento para a oposição dos impedimentos vem estabelecido pelos arts. 1529 e 1530/CC. Os impedimentos serão opostos em declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas (art. 1529). O oficial do registro civil dará aos nubentes, ou seus representantes, nota oficial da oposição, indicando os fundamentos, as provas, e, se não se tratar de oposição de ofício, deverá declinar o nome do oponente (art. 1530). Aos nubentes é deferido fazer prova contrária.


O efeito da oposição é suspender a celebração, que não poderá ocorrer enquanto não for decidido o incidente. Se julgado improcedente, levanta-se a proibição, devendo ser extraído certificado de habilitação. Julgado procedente, o casamento não se realizará, ressalvado às partes recorrer às vias ordinárias.
O procedimento é sumário, regulado pelo art. 67, §5º, da Lei dos Registros Públicos. Os nubentes, pela lei registrária, devem indicar suas provas em três dias. Esse prazo exíguo, de acordo com o C.C, pode ser dilatado, podendo ser concedido prazo razoável aos nubentes (art. 1530, parágrafo único). Desse procedimento participará necessariamente o Ministério Público. Produzidas as provas em 10 dias, ouvidos os interessados em cinco dias, o juiz decidirá em igual prazo. Essa decisão é de índole correcional, com procedimento sumário, não fazendo coisa julgada. Se os nubentes não se conformarem com a decisão contrária, a matéria pode ser versada em processo judicial. Por outro lado, autorizado e consumado o casamento, os fatos dos impedimentos e suas provas respectivas poderão lastrear ação de nulidade ou anulação.
Impedimentos opostos por má-fé dão margem à possibilidade de os responsáveis serem acionados por perdas e danos, que no caso serão fortemente de índole moral, como expressamente permite a atual Constituição, além de responderem criminalmente.
O ordenamento brasileiro não autoriza a dispensa dos impedimentos.


BIBLIOGRAFIA
1- DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5: Direito de Família – 20º ed., São Paulo: Saraiva, 2004.

2- SILVIO, Rodrigues. Direito Civil, v. 6: Direito de Família – 27º ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

3- VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 3º ed. Direito de Família. Editora Atlas, 2003.

4- WALD, Arnoldo. O Novo Direito Família. 15º ed., São Paulo: Saraiva, 2004.