sexta-feira, abril 18, 2008

NOTÍCIA INTERESSANTE

Justiça decide: esperma é propriedade da mulher! Usar esperma para engravidar sem autorização do homem não caracteriza roubo porque 'uma vez ejaculado, o esperma se torna propriedade da mulher'. O entendimento é de uma corte de apelação em Chicago, nos Estados Unidos, que devolveu uma ação por danos morais à primeira instância para análise do mérito. Nela, o médico Richard Phillips acusa a colega Sharon Irons de 'traição calculada, pessoal e profunda' ao final do relacionamento que mantiveram há seis anos. Sharon teria guardado o sêmen de Richard depois de fazerem sexo oral, e usado o esperma para engravidar. Richard Phillips alega ainda que só descobriu a existência da criança quando Sharon ingressou com ação exigindo pensão alimentícia. Depois que testes de DNA confirmaram a paternidade, o médico processou Sharon por danos morais, roubo e fraude. Os juízes da corte de apelação descartaram as pretensões quanto à fraude e roubo afirmando que 'a mulher não roubou o esperma'. O colegiado levou em consideração o depoimento da médica. Ela afirmou que quando Richard Phillips ejaculou, ele entregou seu esperma, deu 'de presente'. Para o tribunal, 'houve uma transferência absoluta e irrevogável de título de propriedade já que não houve acordo para que o esperma fosse devolvido' .

terça-feira, abril 08, 2008

QUADRO DEMONSTRATIVO DAS LINHAS DE PARENTESCO








BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PATERNIDADE

A PATERNIDADE

1 A origem da paternidade


A antiga família do Direito Romano, constituída pelo matrimônio, tinha como figura principal, o pai, que detinha o cargo de senhor absoluto da família, devendo todos os demais membros, obediência máxima a ele.
Essa autoridade paterna teve como origem na religião. Foi ela, e depois a lei, que elegeu o pai como o representante familiar, conferindo a ele um poder supremo e incondicional sobre sua família[1].
Naquela época, utilizava-se das palavras gânitar, ghennetér, genitor, para designar a figura do pai, e não o vocábulo pater[2], como, atualmente é utilizado.
O pai era visto como um ser soberano, e, portanto, suas decisões nunca eram contestadas. Numa relação entre pai e filho, não havia amor e amizade, mas apenas obediência e respeito.
Para se ter uma idéia do poder do genitor, a religião concedia a ele o direito de reconhecer ou rejeitar o filho ao nascer. Havia duas espécies de estabelecimento da filiação: a biológica e o religioso. Esse claro, de maior relevância, pois o filho ainda que fosse biológico não representaria nada para o pai se não estivesse vinculado à religião doméstica.
Porém, apesar de toda essa autoridade que a figura paterna detinha, a religião colocava limites e exigia obrigações, como não realizar qualquer ato que pudesse prejudicar a perpetuação da família ou que ameaçasse algumas das crenças.
Por muitos anos, se sustentou a família patriarcal, em que a autoridade paterna sempre se sobressaia à própria figura do pai. Mas, felizmente, por mudanças sociais, a bem pouco tempo, esse domínio incontestável acabou, e após o advento da Constituição Federal de 1988 a mulher e o homem passaram a ter os mesmo direitos e obrigações, não sendo mais admitida a desigualdade entre ambos.
Os filhos também deixaram de ser propriedade do pai, e passaram a ser constitucionalmente protegidos, nascendo assim, um novo modelo de família, baseada no amor, solidariedade e respeito entre os seus membros.


2. Paternidade biológica


Ao analisarmos os critérios determinantes da relação de paternidade/filiação, encontraremos três verdades: a verdade legal (ficção jurídica), a verdade socioafetiva e a verdade biológica.
Esta última trata-se da paternidade biológica, que é aquela em que a relação de filiação entre o pai e o filho é estabelecida pela consangüinidade, ou seja, o filho é aquele que detém os genes do pai.
No início do século XX, como já analisado, o matrimônio era o único modo de constituição da família legítima, fundada no princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial.
Ao Estado interessava apenas a família organizada, constituída pelo pai, mãe e filhos, o indivíduo, por sua vez, era colocado em um plano inferior.
Assim, em nome da indispensável estabilidade jurídica e para a harmonia e solidez da família criou-se uma regra para o estabelecimento da paternidade.
O Código Civil de 1916, nos artigos 337 e 338, entendia como filiação legítima, aquela havida na constância do matrimônio eficaz. Presumia-se pai, o esposo da mulher casada, dessa forma, havendo um casamento, os filhos tidos na constância deste reputava-se ao marido. É a chamada presunção pater is est quem nuptiam demonstran.
Tal presunção era passível de contestação, entretanto, o suposto pai detinha de um prazo extremamente exíguo, de dois meses, entre presentes, ou de três meses, entre ausentes e as hipóteses de cabimento eram restritas, o que dificultava ainda mais a propositura da ação.
Porém, essa restrição à impugnação da paternidade pelo legislador, tinha como escopo proteger a família, uma vez que, a ciência não possuía melhor solução para oferecer em substituição.
Assim, considerando que a família era colocada sempre em primeiro lugar, por muitas vezes, a realidade biológica não era idêntica à realidade jurídica, imposta pela lei, ou seja, o pai configurado no registro de nascimento não era, realmente, aquele que havia concebido a criança. E mesmo conhecendo-se a verdade biológica, a paternidade não podia ser estabelecida em relação ao terceiro, a fim de não ser maculada a honra familiar.
Verificamos, portanto, que naquela época a verdade legal era mais importante que a verdade biológica, e sobre essa prevalecia, pois, com o critério adotado pelo legislador, a família deveria ser sempre respeitada, conservada e protegida, mesmo que para isso fosse necessário ignorar a realidade dos fatos.
A respeito disso, o autor Luiz Edson Fachin expõe o seguinte:

A lei civil, desse modo, relegava a ‘verdade biológica’, bem como a afetiva, a um segundo plano, prevalecendo o interesse na preservação de outros valores. Assim, conforme já escrevemos: ‘a paternidade jurídica distancia-se da sua base biológica para atender outros interesses em defesa da própria família, colocados pelo legislador num plano superior ao do conhecimento da verdade biológica. (2003, p. 14).


Com a aplicação da regra pater is est, observamos que a consangüinidade é colocada em segundo plano, o que demonstra que o vínculo biológico não é de primordial importância na atribuição da paternidade.
Até porque, antes da Constituição federal de 1988, os filhos havidos fora do casamento, além de serem considerados ilegítimos não podiam ter sua paternidade estabelecida, ainda que, o pai biológico soubesse da verdade. Assim, a presunção legal era mantida, mesmo estando de todo apartada da realidade biológica.
O estabelecimento da paternidade pelos laços de sangue sempre foi a de maior prevalência, desde as origens das relações de parentesco.
Entretanto, atualmente, mesmo com os avanços científicos que nos facilita o reconhecimento da filiação, através dos exames de DNA, constatamos que tais evoluções incidem em grave erro ao limitar a paternidade apenas aos laços biológicos desprovidos de quaisquer emoções e sensações.
A relação entre pais e filhos não pode se resumir a apenas dados genéticos, isso porque, é visto como pai, aquele que cria, educa e ama o seu filho e não aquele que, simplesmente, o concebe.
Nessa linha de entendimento, Maria Cláudia Crespo Brauner citada por Leila Donizetti:

Nem sempre aquele que gera se interessa por sua descendência e há de aceitar-se que muitos pais e mães genéticos prefeririam que seu filho não tivesse sido gerado, e podem passar de uma atitude de negação de existência do filho ao completo desprezo pelo seu destino, principalmente, quando o vínculo formal de filiação foi estabelecido de forma forçada, através de uma ação de investigação de paternidade. (2007, p.36).


Portanto, o critério da filiação biológica não é mais suficiente para determinar a paternidade, uma vez que nos dias atuais, a verdade biológica não se sobrepõe mais às relações afetivas, pois ela não consegue substituir a convivência necessária para a construção permanente dos laços afetivos.
A filiação vista nesse enfoque, passa a assumir nova feição diferenciada daquela oriunda do critério jurídico e/ou biológico.

3 Paternidade sócioafetiva


Com a mudança dos tempos, estamos diante de uma nova era onde é imprescindível a redefinição de conceitos que deverão ser construídos sob um novo paradigma à luz do texto constitucional.
A respeito dessas transformações podemos citar o novo conceito de paternidade baseado na ótica do amor, do respeito e da solidariedade.
Antes da descoberta dos exames de DNA, a presunção de paternidade implicava na presunção a pater is est quem nuptiam demonstram, ou seja, era visto como pai, o marido da mulher casada. Tratava-se da presunção legal de paternidade.
Entretanto, a tecnologia evoluiu, permitindo identificar o liame biológico estabelecido entre pai e filho por meio da leitura da seqüência do DNA, com 99,9% de probabilidade de acerto.
Por meio desse avanço criou-se mais uma espécie de paternidade, a denominada biológica.
Com o exame de DNA, pôde-se supor que os problemas relativos à investigação de paternidade tivessem sido resolvidos. Entretanto, felizmente, a sociedade continuou evoluindo e o vínculo biológico que liga o pai a seu filho deixou de ser suficiente e imprescindível para a maioria das pessoas.
Modernamente, já não é mais possível focar a paternidade apenas como um dado ou algo determinado por meio da investigação da descendência genética ou por aplicação de presunção extraída dos textos legais. É necessário ir além e assimilar que a paternidade também deve ser construída com base no afeto, surgindo dessa forma, uma nova espécie de paternidade, a socioafetiva.
A paternidade biológica tornou-se insuficiente porque, por muitas vezes, pais e filhos não possuem um liame biológico, mas possuem um vínculo de afeto, de amor e de cumplicidade, que visivelmente se sobrepõe a essa verdade biológica.
Assim, atualmente, a figura do pai biológico deixou de ser de suma importância, pois, o verdadeiro pai é aquele que cuida, protege, alimenta, educa, que participa intensamente do crescimento físico, intelectual e moral do seu filho, dando-lhe o suporte necessário para que se desenvolva como ser humano.
Segue essa linha de entendimento a ilustre autora Juliane Fernandes Queiroz:

A relação paterno-filial não se explica apenas na descendência genética, mas sim e preponderantemente, na relação socioafetiva, a qual supre o indivíduo em suas necessidades elementares de alimentação, lazer, educação, sem desconsiderar o afeto e o amor. No mundo moderno, não se pode, portanto, prescindir de um outro pilar que sustenta a paternidade: o socioafetiva. (2001, P.49).


A jurisprudência também vem prestigiando a paternidade socioafetiva em detrimento da biológica, a respeito disso, vem julgando da seguinte forma: o pai que registra menor como sendo seu filho, não pode depois de anos de convivência querer desfazer essa relação com uma ação negatória de paternidade.
Assim julgou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. REGISTRO CIVIL. VÍCIO DE VONTADE NÃO-DEMONSTRADO. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. 1. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB). 2. A anulação do registro, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude). 3. Não é possível desconstituir o liame parental quando indemonstrada a inexistência do liame biológico, pois ocorreu a revelia, sem a efetivação de exame de DNA. 3. Além disso, se o autor, depois de reconhecer o filho, casou com a sua mãe e acolheu o réu como filho, exercendo a figura de pai ao longo de mais de quinze anos, mesmo após a separação do casal, resta inequívoca também a situação de paternidade socioafetiva, não podendo pretender a desconstituição do vínculo parental. Recurso desprovido. (Apelação Cível n° 70021795661, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Fernando de Vasconcelos Chaves, Julgado em 13/12/07).


NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. DESCABIMENTO. 1. Se o autor era casado com a mãe do menor e o acolheu como filho, quando poderia presumir a inexistência do liame biológico, em virtude de separações e reconciliações, e sempre manteve com ele estreito relacionamento, ao longo de nove anos, ficou evidenciada a situação de paternidade socioafetiva, não podendo pretender a desconstituição do vínculo parental. 2. A alteração do registro, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude), o que não restou comprovado nos autos. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70020316832, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26/09/2007).


Portanto, atento a essa questão, os nossos Tribunais vem cada vez mais aderindo a paternidade socioafetiva, entendendo que no confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada “adoção à brasileira” (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por muitos anos, há de prevalecer à solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, podemos concluir que na paternidade socioafetiva, pai não é apenas aquele ligado por um laço biológico. Pai é muito mais, é aquele ligado pelos intensos e inesgotáveis laços de afeto.


4 A função do pai na vida dos filhos


Há alguns anos atrás, na época da família patriarcal, o pai, em princípio, servia apenas para cuidar dos interesses patrimoniais da família, para dar continuidade ao seu próprio nome e também à continuidade genética de seus ascendentes.
Atualmente, ser pai representa muito mais do que simplesmente ter um filho para herdar o seu nome.
Felizmente, a sociedade mudou e hoje a família é vista como um ponto primordial na vida de todos. Pai e mãe, principalmente, são figuras essenciais que exercem sobre seus filhos funções materiais, simbólicas e psíquicas distintas e que devem ser preservadas.
A criança, nos primeiros anos de vida, segundo os estudos da psicologia, vive uma situação quase simbiótica com a mãe; precisa dela para ter um desenvolvimento físico, mas, sobretudo psíquico saudável! É a mãe que o leva dentro de si, que lhe dá a luz, o amamenta, que o açude e lhe ensina uma coisa que não é banal: lhe ensina o que é ser amado e, como conseqüência, o ensina no futuro a dar e receber amor.
O pai, nessa fase não é igualmente relevante, contudo, ele se torna indispensável no momento em que é necessário interromper essa fusão entre mãe e filho, para introduzi-los de maneira diferente no mundo e na vida social.
A figura paterna é sem dúvida fundamental para o desenvolvimento físico e psíquico da criança. Entretanto, foi a pouco tempo que começou a dar importância a ela. No início da vida, por uma questão cultural advinda da ideologia patriarcal, a relação do pai com seu filho, era marcada, por uma ausência no aspecto afetivo, assim considerada em relação à mãe.
Mas com a revolução feminista, os homens começaram a ter uma participação mais afetiva na vida das crianças. Hoje, o pai não serve apenas para dar o seu nome ao filho, a sua função mudou e passou a ser muito mais colaborativa e participativa.
Atualmente, as estatísticas apontam que a família igualitária, isto é, aquelas de classe média ou alta que rejeitam a cultura masculina tradicional traçaram um perfil do novo pai. Esse não quer mais cometer os mesmo erros do passado, não quer que seus filhos tenham um pai frio e distante, como eles tiveram na infância. Dessa forma, nos dia de hoje, é normal o pai dividir com a mãe os cuidados com as crianças e os afazeres domésticos.
Independentemente da posição sócio-econômica da família, sempre será obrigação dos pais o cuidado material e afetivo dos filhos. É fundamental a compreensão a respeito da importância e da possibilidade de se levar aos filhos o afeto e a devida atenção para com as coisas relevantes para eles jovens, coisas essas que variam com a idade, com o sexo e com a condição sócio-econômica da criança e do adolescente, mas que tem em comum o conceito central de atenção e de afeto.
Importante frisarmos que está constatado que a paternidade, em si mesma, não é um fato da natureza, mas um fato cultural, ou seja, a qualidade de pai não decorre exclusivamente, dos laços consangüíneos. Isso porque pode o genitor não assumir todos ou mesmo nenhum dos encargos atribuídos pela função paterna.
Portanto, a figura paterna é desvinculada da pessoa do pai biológico. O pai se torna pai quando age como tal, e não simplesmente, quando possui um vinculo genético com o seu filho. Essa condição, nos dias de hoje, é insuficiente, uma vez que a relação paterno- filial não se resume apenas na descendência genética, mas sim, e preponderantemente, na relação socioafetiva, a qual supre o indivíduo em suas necessidades elementares de educação, lazer e alimentação, sem desconsiderar o afeto e o amor.
É evidente que, o mesmo pode acontecer com a figura materna, em que nem sempre a mãe que educa e sustenta é necessariamente a biológica.
Trata-se de direito fundamental da criança e do adolescente de ser criado e educado no seio de sua família com amor e respeito, cabendo aos pais essa função. Entretanto, caso os genitores não tenham essa capacidade, nada impede que a criança e/ou adolescente seja entregue a uma família substituta, a qual poderá proporcionar-lhe essa proteção especial.
Atualmente, é cada vez mais comum em nossos Tribunais, afastarem os pais biológicos de seus filhos por maus tratos. Nessas situações o interesse da criança que está em jogo prevalece sobre o vínculo genético; o menor é recolocado em uma família substituta, a fim de que esta melhor estruturada possa lhe oferecer condições saudáveis para o seu desenvolvimento.
Portanto, pai não é aquele que gera o filho, mas aquele que verdadeiramente, exerce a função paterna.
Mas para que serve o pai? Qual o seu papel na vida dos filhos? Podemos dizer que pai serve para dar continuidade à espécie, serve para transmitir os valores culturais relevantes ao grupo social onde se insere a família, serve para dar continuidade ao nome, para pagar as contas, mas, além disso, tudo (que é o básico) serve mesmo é para participar decisivamente da formação do jovem, para ajudar de modo relevante na sua realização pessoal, para transmitir o que sabe, para dar bons exemplos de conduta, para contribuir para a felicidade do jovem, para dizer não quando for o caso, para apoiar o jovem nos seus conflitos com a vida.
Em suma, o pai serve para ajudar os filhos a serem pessoas seguras de si, bem informadas, e saudáveis. E como já dito, esse pai, não é necessariamente o pai-genitor, mas aquele que empresta o seu nome para interferir e interditar a simbiótica relação mãe-filho. Ele é o outro que possibilita ao filho o acesso à cultura.


5 A desbiologização da paternidade


O termo “desbiologização” foi criado pelo autor João Baptista Vilela, quando escreveu o artigo “Desbiologização da Paternidade”, em 1979. Apesar do tempo, o termo permanece atual, pois é utilizado para denominar a relação entre pais e filhos que se amam e respeitam verdadeiramente, mas que estão ligados pelo elo da convivência e não o da consangüinidade.
Diante das inúmeras transformações ocorridas na sociedade, a figura da paternidade passou a ser vista de maneira diferente, valorizando o amor e desconsiderando, por muitas vezes, a realidade genética.
Atualmente, é considerado pai, aquele que exerce essa função e não aquele que apenas empresta seu material genético. Daí a importância do ordenamento jurídico se reestruturar, a fim de impelir outro contorno às relações de filiação.
Com a descoberta do DNA, como já ressaltado, teve-se uma nítida impressão de que qualquer problema paterno-filial se resolveria. Assim, havendo dúvidas quanto a paternidade, bastava fazer o exame de DNA, que tudo era esclarecido. A prova pericial médica era cabal e definitiva.
No entanto, tudo não passou de uma ilusão. Após o delírio, com o exame de DNA, identificador do liame biológico a sociedade enxergou um novo conceito de paternidade baseado no afeto e na convivência e não apenas no vínculo genético. Daí o termo desbiologização.
Além disso, a sociedade descobriu que, até pode compelir um pai a cumprir com seus deveres de prestação alimentícia, utilizando-se da prisão civil, mas não pode obrigá-lo a dar amor e atenção a um filho que não deseja.
Diante dessa realidade, a função paterna tornou-se cada vez mais presente, uma vez que é visto como pai aquele que exerce o seu papel.
Ainda com relação à percepção do fenômeno da desbiologização, é preciso ressaltar que “desbiologizar” a paternidade pressupõe o exercício da autonomia privada e, conseqüentemente, a adesão ao princípio da paternidade responsável, que deverá ser exercido independente da existência do liame biológico.
É em conformidade com esse contexto que devemos ressaltar o instituto da posse de estado de filho, que é uma das hipóteses da paternidade responsável, pois o pai se torna pai porque quer, e não simplesmente porque é obrigado. A relação nesse caso baseia-se no amor e na cumplicidade.
É lastimável que após tantas transformações no direito de família, o nosso ordenamento jurídico ainda não tenha previsto a relação socioafetiva.
Entretanto, podemos dizer que ela não é totalmente estranha ao ordenamento jurídico. No artigo 1.593 do Código Civil prevê que o “parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”. Esse termo “outra origem”, diz respeito à filiação afetiva, ou seja, a filiação da posse de estado de filho que também constitui modalidade de parentesco civil.
No mundo atual, em que os avanços da biotecnologia é cada vez maior, por muitas vezes, a verdade genética não trará benefícios a criança.
Por mais que se pretenda apurar a veracidade dos fatos, não haverá meios de neutralizar os efeitos trazidos para o menor. Por essa razão é importante que se tutele o interesse da criança.
Maria Cláudia Crespo Brauner faz a seguinte constatação:

Numa sociedade onde tantas crianças são privadas de pai, não se pode correr o risco de contribuir-se para aumentar estes índices de rejeição por questões egoístas e de cunho individualista, que podem dar origem a uma situação de insegurança jurídica para as pessoas que se beneficiavam de uma posse de estado de filho, corroborada pela existência de um título, conforme esse estado.(ano, pg)


Nos dias de hoje, não há mais lugar para sentenças que confiram uma paternidade fulcrada em apenas um elemento. Vários contornos devem ser analisados, como por exemplo, o maior interesse da criança. Esse deverá sempre prevalecer sobre os avanços biológicos, caso contrário, permitirá que a descoberta da falsidade biológica fomente no pai-afetivo sentimentos paradoxais em relação ao filho. Ter-se-á, assim, o risco de retroceder à época em que o ordenamento jurídico fazia distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
Portanto, em suma, não há mais como remeter a paternidade aquele que apenas esteja ligado ao seu filho pela biologia, pois esse é um conceito arcaico do “ser pai”.


6 Os direitos do pai não biológico com relação ao filho afetivo


Por tudo que já foi dito até o presente momento, não há mais dúvidas de que o elo biológico que liga um pai a um filho já não é mais suficiente.
Atualmente, é considerado pai aquele que tem uma relação de amor com seu filho, independentemente, de haver o vínculo biológico.
Diante dessa constatação, é preciso estabelecer os direitos e deveres que o pai afetivo tem sobre o filho.
Em nosso ordenamento jurídico não há nenhum artigo que confira ao pai afetivo o direito de visita.
Dessa forma, como é que fica a sua situação na hipótese dos pais romperem a vida conjugal?
Sem dúvida é um assunto bastante divergente, uma vez que não há respaldo na lei. Entretanto, alguns doutrinadores entendem que o pai afetivo, tem o direito de visita, pois deve sempre buscar o bem estar do menor.
Assim, após o rompimento conjugal, o pai não-biológico fará jus ao direito de visitação ao filho de sua ex-parceira, mesmo que não possua qualquer vinculação formal de paternidade com eles.
Nesse contexto, o ilustre autor Paulo Cotrim Guimarães expõe alguns elementos que despontam como nucleares para a possibilidade deste direito de visitação:


a) A existência de um vínculo afetivo desenvolvido entre a criança e o interessado; b) o assentimento da criança, quando ultrapassada a tenra idade; c) a inexistência de vínculo biológico entre o interessado e o menor; d) a demonstração de que o rompimento do contato implicaria em transtornos ao menor. (2000, p. 100).


Presentes todos esses elementos, não há dúvida de que o afastamento do pai afetivo implicará em grandes transtornos à formação da personalidade da criança. Dessa forma, nada melhor deixá-los compartilhar o amor que sentem um pelo outro.
Mas além dos direitos há os deveres que o pai afetivo também deve cumprir. Estamos falando da obrigação de prestar alimentos.
Pela nossa legislação essa obrigação é imposta ao pai biológico. Entretanto, através de uma interpretação sistemática, ela deve abranger o pai afetivo.
Assim, presentes todos os elementos que caracterizam o estado de filho afetivo, tais como: nominatio, tractatus e fama, têm o pai não-biológico o dever de pagar alimentos a criança.Até porque, na busca pelo maior interesse do menor, essa é a melhor solução e sem dúvida a mais justa.
[1] Após a religião ter concedido ao pai o poder supremo e absoluto, as leis grega e romana também o reconheceram como o chefe da família, que detinha de um poder ilimitado. Podemos verificar isso na Lei das XII tábuas, em sua tábua quarta:
DO PÁTRIO PODER E DO CASAMENTO:
1. É permitido ao pai matar o filho que nasce disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos;
2. O pai terá sobre o filho nascidos de casamento legítimo o direito de vida e de morte e o poder de vendê-los;
3. Se o pai vendeu o filho 3 vezes, que esse filho não recaia mais sob o poder paterno;
4. Se um filho póstumo nasceu do décimo mês após a dissolução do matrimônio, que esse filho seja reputado legítimo.

[2] A palavra pater, naquela época, era utilizada restritamente, quando se invocava um poder, uma autoridade, uma dignidade majestosa.

sábado, abril 05, 2008

Teoria Geral das Obrigações: Conceitos, classificação e particularidades

Teoria Geral das Obrigações
Conceitos, classificação e particularidades
Conceitos Estrangeiros
Conceito segundo Inocêncio Galvão Telles
• Em sentido muito amplo, desprovido de rigor técnico-jurídico, obrigação designa o lado passivo de qualquer relação da vida social regulada e tutelada pelo Direito. Abrange o dever jurídico, por força do qual uma pessoa se encontra vinculada a observar certa conduta no interesse de outra ou de outras, e o estado de sujeição, que se traduz na submissão aos efeitos jurídicos produzidos por iniciativa alheia (no exercício de um direito potestativo).
• Numa acepção ainda mais ampla, compreende o próprio ónus, como necessidade de adoptar determinado comportamento para alcançar ou conservar uma vantagem própria.
• Em sentido restrito e próprio, obrigação é uma categoria específica, bem individualizada, que se contrapõe a outras categorias: a sujeição e o ónus.

• A sujeição, que se distingue da obrigação propriamente dita, é o lado passivo do direito potestativo. Diz-se direito potestativo a faculdade que o sujeito tem de produzir efeitos jurídicos mediante declaração de vontade sua, em certos casos integrada por decisão judicial. A essa faculdade corresponde, da parte daquele contra quem ela se exerce, um estado de sujeição, consistente em ficar submetido aos efeitos jurídicos produzidos, sem concorrer para eles e sem a eles poder opor-se.
• Por sua vez, o ónus traduz-se na necessidade imposta pelo ordenamento jurídico de observar certa conduta a fim de alcançar para si (ou manter) certa vantagem.
Conceito segundo Robert Joseph Pothier
• A palavra obrigação tem dois significados.
• Em sentido mais amplo, lato sensu, é sinônimo de dever, e compreende tanto as obrigações imperfeitas como as obrigações perfeitas.
• Chamam-se obrigações imperfeitas as obrigações pelas quais somos responsáveis somente perante Deus, e que não dão a pessoa alguma o direito de exigir seu cumprimento; tais são os deveres de caridade e reconhecimento, assim é, por exemplo, a obrigação de doar o supérfluo. Esta obrigação é uma obrigação real, e um rico peca gravemente quando descuida de seu cumprimento. Mas é uma obrigação imperfeita, uma vez que somente perante Deus se pode exigi-la: quanto é cumprida para com o pobre a quem se dá uma esmola, este não a recebe como o pagamento de uma dívida, mas apenas como um auxílio.

• Acontece o mesmo em relação aos deveres de reconhecimento; aquele que recebeu determinado benefício está obrigado perante seu benfeitor aos serviços que possa prestar-lhe, e quando os presta, o benfeitor recebe dele, por sua vez, um verdadeiro benefício.
• Se meu benfeitor tivesse direito de exigir-me que, em uma ocasião idêntica à que ele me prestou seus serviços, eu estivesse obrigado a retribuí-los, já não seria um benefício aquilo que eu recebi dele, mas um verdadeiro comércio, e os serviços que lhe retribuísse não significariam um ato de reconhecimento de minha parte, pois o reconhecimento é essencialmente espontâneo.
• A palavra obrigação, em sentido mais exato e menos amplo, compreende somente as obrigações perfeitas, que conferem àquele com quem a contraímos o direito de nos exigir o seu cumprimento.
• Assim definem os jurisconsultos essas obrigações ou compromissos pessoais: um vínculo de direito que nos restringe a dar a outro alguma coisa, ou ainda, a fazer ou não fazer tal ou qual coisa.

• As palavras vinculum juris não convêm à obrigação civil: a obrigação puramente natural, que é solius aequitatis vinculum, é, também, ainda que em um sentido menos próprio, uma obrigação perfeita, pois, se não no foro exterior, ao menos no foro da consciência, dá àquele com quem foi contratada o direito de exigir seu cumprimento; já a obrigação imperfeita não dá essa direito.
Conceito segundo Roberto de Ruggiero
• Obrigação, na sua mais larga acessão, é uma palavra que exprime qualquer espécie de vínculo ou de sujeição da pessoa, qualquer que seja a sua fonte ou o seu conteúdo, nela se podendo englobar por um lado qualquer obrigação que seja ditada pela moral, conveniência, honra, usos sociais, por outro lado qualquer obrigação imposta pelas normas jurídicas, sejam elas de direito público ou privado. A palavra é aqui empregada para designar apenas as da última espécie e não todas elas, mas somente as que nascem de relações entre pessoas, têm um conteúdo patrimonial e implicam para uma pessoa o dever de fazer a outra uma prestação e, para essa segunda pessoa, a faculdade de a exigir da primeira.

• Na verdade, não têm caráter jurídico as obrigações que derivam de normas não jurídicas, nem entram no campo do direito privado as inúmeras obrigações que as leis de direito público impõem ao cidadão e se das relações pessoais e de família, como das de caráter real, derivam às vezes obrigações para os indivíduos, elas não entram no conceito técnico da obrigação.
• Em sentido técnico, pois, a obrigação, como a correspondente obligatio da terminologia romana, exprime em regra principal e geral a relação jurídica pela qual uma pessoa (devedor) está adstricta a uma determinada prestação para com outra (credor), que tem direito de a exigir, obrigando a primeira a satisfazê-la. Mas às vezes emprega-se para indicar apenas um dos lados ou aspectos de que a relação se compõe: o lado passivo para designar o dever do devedor, isto é, o débito, ou o ativo para designar o direito do credor, isto é, o crédito; mais raramente é adotada para indicar a própria causa geradora da relação.
Conceitos Nacionais
Conceito segundo Orlando Gomes
• Obrigação é um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra.
• A afirmação de que a obrigação constitui um vínculo jurídico não é redundante. Explica-se, para distingui-la de outras relações que não configuram sujeição do direito como , v.g., os deveres puramente morais.
• Elemento decisivo do conceito é a prestação. Para constituir uma relação obrigacional, uma das partes tem de se comprometer a dare, facere ou praestare, como esclareceu o jurisconsulto Paulo, isto é, a transferir a propriedade de um bem ou outro direito real, a praticar ou abster-se de qualquer ato ou a entregar alguma coisa sem constituir direito real.
Conceito segundo Fernando Noronha
• No sentido técnico, a obrigação pode ser caracterizada fazendo referência à noção de relação jurídica, ou à de situação jurídica, ou ainda à de vínculo jurídico. Qualquer das três vias conduz a boas definições da obrigação.
• A mais simples (e ainda a melhor) é a que parte da noção de relação jurídica. Uma relação jurídica é um vínculo que, nas situações que envolvem duas ou mais pessoas, atribui a umas e outras poderes e deveres juridicamente exigíveis, com vista à realização de determinadas finalidades. Por esta via, poderemos dizer que obrigação é a relação jurídica em que uma pessoa (ou mais de uma) pode exigir de outra (ou de outras) uma prestação que satisfaz um interesse da primeira (ou das primeiras). Quem exige tem o nome de credor, quem deve é o devedor, a prestação é designada de prestação debitória, esta há de atender a um interesse do credor.

• Ainda segundo esse autor, poderia substituir-se a expressão “relação” por “situação”. No entanto, situação é sempre o modo como alguma pessoa ou coisa se apresenta; ela é noção que engloba todo o circunstancialismo que caracteriza as mais diversas figuras em que pessoas ou coisas se podem apresentar.
• A situação jurídica, sendo toda e qualquer situação da vida real em que as pessoas se podem encontrar, desde que seja regulada pelo direito, abrange todas as formas através das quais o direito se manifesta, seja especificamente em relação a pessoas, seja quanto à posição de pessoas com relação a coisas.
• Nesse sentido, o autor preleciona que é preferível caracterizar a obrigação com referência à relação jurídica, porque esta é noção mais restrita e, por isso, melhor delimitadora do âmbito que nos interessa.


• Mais adiante, o autor se utiliza de outra forma para definir obrigação, fazendo referência à noção de vínculo jurídico. Por esta via, define-se obrigação como sendo um vínculo constituído entre duas ou mais pessoas, pelo qual uma delas (ou algumas delas) deve realizar, em benefício da outra (ou das outras), uma prestação que é do interesse desta (ou destas). Contudo, a caracterização com referência ao vínculo jurídico também não parece ser melhor do que a que se reporta à relação jurídica. Por um lado, se dissermos que a obrigação em sentido técnico é simplesmente um vínculo jurídico, estaremos usando esta expressão num sentido mais amplo que aquele que lhe é próprio: vínculo jurídico estaria significando a própria relação obrigacional, quando o seu significado preciso é o de conjunto dos direitos e dos deveres que integram a obrigação. Por outro lado, se considerarmos vínculo jurídico no sentido que lhe é próprio e, a partir daí, definirmos obrigação como sendo o conjunto de direitos e deveres que ligam o credor e o devedor, teremos construído uma noção que não nos dirá nada sobre a natureza de tais direitos e deveres.
Conceito segundo Álvaro Villaça Azevedo
• Obrigação é a relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação pessoal, positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para satisfação de seu interesse.
Conceito segundo Arnaldo Rizzardo
• O autor concebe a obrigação como um vínculo de direito que liga uma pessoa a outra, ou uma relação de caráter patrimonial, que permite exigir de alguém uma prestação.
• Para melhor esclarecimento, o autor cita os irmãos Mazeaud: “La obligación es un vínculo de derecho que nos fuerza a uma prestación para con outro”.
Conceito segundo Fábio Henrique Podestá
• Entende o autor que a obrigação é o vínculo de natureza jurídica cuja prestação patrimonial ou extrapatrimonial pode ser exigida (direito subjetivo) pelo credor em relação ao devedor.
• Essa conceituação, sem pretensão de cientificidade de esgotamento, de ser permeada pela noção de função como forma de compreensão de que o crédito envolve um direito subjetivo assentado em um interesse.
• O autor afirma que a satisfação do interesse diz respeito com o objeto da relação jurídica obrigacional, e seu conteúdo, no que se refere ao devedor, representa o dever jurídico de cumprimento do débito, enquanto no que toca ao credor o poder jurídico de obter a satisfação do interesse vinculado ao bem ou utilidade que o constitui.
Obrigação Moral


Características
Trata-se de um pseudodevedor e de uma pseudo-obrigação (por não o serem juridicamente). A obrigação moral apresenta, assim, as seguintes características:
A – liberalidade – pois, como se trata de um reclamo da consciência, apenas, é cumprida por força dos princípios morais, religiosos ou humanitários do “devedor”, que age espontaneamente.
B – ausência do direito de ação – desse modo, se o “devedor” não cumprir essa sua obrigação moral de livre vontade, não poderá ser coagido judicialmente a fazê-lo.
C – irrevogabilidade da prestação – entretanto, se tal obrigação for cumprida sem coação de qualquer espécie, tornar-se-á definitiva (por proteção da ordem jurídica), sem que o “devedor” tenha direito de reclamar-lhe a restituição.

Obrigação natural


Características

Diferentemente da obrigação moral, na obrigação natural há verdadeiro credor e verdadeiro devedor: mas este é protegido pela lei, ao retirar daquele o direito à ação de cobrança. Em face dessa sua natureza, decorrem as seguintes conseqüências, como suas características:
A – a inexigibilidade da prestação – porquanto o credor carece do direito de ação contra o devedor.
B – a validade do pagamento (efetuado espontaneamente pelo próprio ou por terceiro) – pois o credor pode retê-lo como devido, e não, a título de mera liberalidade.
C – a irretratabilidade do pagamento – o qual não pode ser repetido (pedido de volta) pelo devedor, como se tivesse sido indevido.

Efeitos

A – ausência do direito de ação do credor – para exigir seu cumprimento:
a.1 – contra os riscos da evicção (Arts. 477/457 CC); ex. perdido em juízo o imóvel, que seu não dono dera em pagamento, não pode o credor pleitear o preço equivalente;
a.2 – em face dos vícios redibitórios (Arts. 441/446 CC); ex. o credor não pode enjeitar o carro, dado em pagamento, por defeitos posteriormente descobertos;
a.3 – a fim de exigir a continuidade de pagamento das restantes prestações parceladas; ex. iniciando-se o pagamento de uma dívida de jogo, ajustado aquele em dez parcelas, se forme pagas apenas três, não estará o devedor obrigado às sete restantes.


Efeitos


B – Denegação da repetição do indevido (repetitio indebiti) em favor do devedor (que tiver efetivado a prestação) – por ser válido e irretratável o pagamento, desde que não obtido por coação ou dolo e tenha sido efetuado por pessoa capaz (Arts. 814, §§ 1º/2º e 815 CC).


Efeitos

C – Impossibilidade de coexistir:
c.1 – com a novação (Art. 360 c/c Art. 814, § 1º, CC) – pois esta pressupõe a extinção de um dívida antiga, substituída por uma nova relação obrigacional: ora, a obrigação natural, não sendo juridicamente exigível, não poderia dar lugar a uma nova obrigação legalmente capaz de ser reclamada;
c.2 – com a compensação (Art. 369 CC) – pois esta supõe dívidas vencidas: logo, cobráveis porque exigíveis; ora, a obrigação natural é inexigível;
c.3 – com a fiança (Art. 818 c/c Art. 814, § 1º, CC) – pois esta, sendo uma obrigação acessória, pressupõe uma obrigação principal válida.


Casos de obrigação natural no direito pátrio
A – dívida prescrita (Art. 882, CC) – ante a sua inexigibilidade.
B – dívidas para obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei (Art. 883, CC) – como sanção contra atos praticados em oposição aos bons costumes.
C – dívidas de jogo e aposta ou seus empréstimos (Arts. 814 e 815, CC) – por terem causa ilícita, ao denegar-lhes a lei e o elemento ético. Obs. Excetuam-se os jogos e apostas legalmente permitidos (ex. loterias e corridas de cavalo: Art. 814, § 2º CC).
D – mútuo a menor – sem a prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver (Art. 588, CC), sob as exceções previstas (Art. 589, I/V CC), uma vez que normalmente implica má-fé contra um incapaz.
Obrigações Jurídicas Positivas
Dar
Conceito

É aquela em virtude da qual o devedor fica com o dever de entregar mediante tradição (móvel) ou pelo registro no cartório competente (imóvel) determinada coisa, com o objetivo de ceder novo direito.

Princípios Fundamentais

a) o credor de coisa certa não pode ser obrigado a receber outra, ainda que mais valiosa (Art. 313 do CC), por isso é possível:
a.1) a dação em pagamento (Art. 356, CC) – liberando o devedor com a entrega de outra coisa, desde que haja consentimento do credor em novo acordo;
a.2) o pagamento parcelado (Art. 314, CC) – desde que haja consentimento do credor em que a dívida não seja paga de uma só vez; e
a.3) a repetição (Art. 876, CC) – desde que o devedor, por erro, entregue uma coisa por outra.



Princípios Fundamentais

b) A coisa acessória segue a principal (Art. 92, CC) – por isso que os acessórios estão abrangidos na entrega de coisa certa, exceto se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso (Art. 233, CC); ex. a venda de uma fábrica abrange também suas máquinas, exceto ressalva no contrato; mas a entrega do apartamento vendido novo, com armários e fogão depende dos usos comerciais do lugar.



Efeitos

A – Para o devedor – sob pena de ter de ressarcir o credor pelos danos derivados do inadimplemento de sua obrigação (Art. 389, CC), o devedor assume o compromisso de transferir o domínio da coisa, pois continua sendo o dono daquela até efetuar sua tradição ao credor, o que se opera:
a.1 – para os bens móveis – pela mera tradição (entrega física) da coisa (Art. 1.267 e parágrafo único CC);
a.2 – para os bens imóveis – pela transcrição do título translativo no Registro de Imóveis (Art. 1.245 e § 1º, CC e Lei nº 6.015, de 31/12/73, Art. 167, I e Art. 168).

Efeitos

B – Para o credor – se o devedor não entregar a coisa prometida, o credor:
b.1 – não disporá: 1) da ação reivindicatória (pois não lhe cabe reivindicar o que não é seu ); 2) nem de busca e apreensão (ação própria da obrigação de restituir: CPC, Art. 625);
b.2 – mas disporá da ação indenizatória – porque não é lícito ao devedor enriquecer-se à custa alheia.

Perda ou deterioração da coisa: conseqüências para o devedor

Enquanto não se transferir para o credor, a coisa ainda pertence ao devedor, constituindo-se então, como obrigação sua de fazer, velar pela conservação do bem, e mesmo, defendê-lo contra terceiros, judicialmente, inclusive. Por isso, para que decorram conseqüências para o devedor, o pressuposto é que a perda ou a deterioração da coisa ocorram antes de sua tradição/transcrição ou enquanto pender condição suspensiva (Art. 234, CC).

Perda ou deterioração da coisa: conseqüências para o devedor

A – Na hipótese de perda da coisa – se tal ocorrer:
a.1 – sem culpa do devedor – resolve-se a obrigação para ambas as partes (Art. 234, 1ª parte, CC).
a.2 – com culpa do devedor – responde ele pelo equivalente em dinheiro, isto é, o valor que a coisa tinha ao perecer, mais perdas e danos (Art. 234, 2ª parte, CC), devidos pelo inadimplemento de sua obrigação de fazer.


Perda ou deterioração da coisa: conseqüências para o devedor

B – Na hipótese de deterioração da coisa – se tal ocorrer:
b.1 – sem culpa do devedor – ou o credor considera extinta a obrigação (pois a coisa não é mais a mesma); ou a aceita, abatido do seu preço o valor que ela perdeu (Art. 235, CC), por acordo entre as partes ou por decisão do Judiciário;
b.2 – com culpa do devedor – ou o credor exige o equivalente em dinheiro; ou aceita o bem no estado em que se achar, em ambos os casos mais perdas e danos (Art. 236, CC).

Melhorias na coisa: conseqüências para o devedor

Semelhantemente ao explicado no item anterior, é necessário que as vantagens tenham ocorrido antes da tradição da coisa, quando então esta ainda pertence ao devedor, o qual poderá, alternativamente:
A – exigir aumento no preço (Art. 237, 1ª parte, CC) – cabendo a ele, como dono, fixá-lo (e não ao juiz), pois a coisa passou a ser outra; ex. se a égua (ainda não prenha, conhecidamente), prometida para certa data, vier a parir antes desta um potro, a cria será do devedor, cujo valor poderá ser acrescido ao da mãe, se o credor a quiser, também.

Melhorias na coisa: conseqüências para o devedor

B – Resolver a obrigação (Art. 237, 2ª parte, CC) – se o credor não anuir nesse aumento de preço, pois não estará cumprindo sua obrigação, como sua parte no negócio.

Frutos


Especificamente quanto aos frutos (Art. 237, parágrafo único, CC), por serem acessórios da coisa, cujo princípio seguem:

A – os percebidos: são do devedor.
B – os pendentes: serão do credor.
Dar Coisa Incerta
Conceito
É aquela que tem um objeto impreciso inicialmente, mas que será determinado quando o devedor afinal escolher a coisa, mediante cuja entrega cumprirá a obrigação; ex. prometer dar cavalos (bem fungível) ou um quadro de Picasso (bem infungível).

A individuação da coisa
Faz-se mediante a indicação de sua espécie e quantidade (Art. 243, CC):
A – De sua espécie – pois o mero gênero pode implicar bens sem interesse ou mesmo nocivos ao credor; ex. se se prometer entregar animais (gênero), simplesmente, poderão ser entregues lagartixas ou escorpiões.
Obs. A indeterminação da prestação, portanto, é provisória, até o momento da escolha.
B – De sua quantidade – por isso que, se esta não for esclarecida, poderá ser entregue o bem em quantidade ínfima, sem utilidade para o credor: e assim o devedor pode livrar-se de sua obrigação, ex. prometendo vinho ou trigo, sem qualificá-los, o devedor está ensejando a entrega de uma gota ou de um grão, reduzindo praticamente a nada o objeto da obrigação.

A individuação da coisa


Observação: a quantificação da coisa pode ser:
1 – determinada, desde logo; ex. prometer 20 sacas de arroz;
2 – determinável, isto é, susceptível de determinação; ex. prometer o vinho necessário a uma festa de casamento (cujos convidados já estão estimados ou previstos em torno de 500 – tantos homens e tantos mulheres, que bebem em percentuais diferentes).

A escolha da prestação
É o ato jurídico unilateral, pelo qual a coisa é individualizada e cuja prestação se manifesta no momento mesmo do cumprimento da obrigação.
A – o valor da coisa a ser prestada – não pode ser, obrigatoriamente, nem a melhor nem a pior, mas o meio-termo, ante o princípio da boa-fé (Art. 244, 2ª parte, CC).
B – a quem cabe a escolha: 1 – na omissão do contrato, é do devedor, que deverá ser citado para entregar as coisas individualizadas; 2 – na previsão do contrato, pode ser do devedor ou do credor: nesta última hipótese, deverá este ser citado para tal fim, sob pena de perder seu direito (Art. 342, CC), devendo então indicar as coisas já individualizadas na petição inicial (Art. 629, CPC).

A escolha da prestação
C – Impugnação da escolha – qualquer das partes poderá impugnar a escolha feita pela outra, em 48 horas, cabendo ao juiz decidir (Art. 630, CPC).
D – Momentos relativos à escolha: 1) antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito (Art. 246, CC), porquanto, em regra, o gênero nunca perece (genus nunquam perit), salvo raríssimas exceções; ex. quem prometer 1.000 sacas de arroz na esperança, frustrada, de boa safra da própria fazenda, poderá cumprir sua obrigação apelando para o produto colocado no mercado, não obstante; 2) depois da escolha, a obrigação converte-se em coisa certa, regendo-se pelas correspondentes normas (Art. 245, CC; Art. 631 c/c Arts. 621/628, CPC), tendo o credor o direito de exigir a coisa escolhida.

Diferença da Obrigação Alternativa


A – Na obrigação de dar coisa incerta – o objeto é uma coisa só, cuja individualização exige.
B – Na obrigação alternativa – o objeto são duas coisas, uma das quais será escolhida.
Fazer
Conceito
É aquela pela qual o devedor se compromete a prestar um trabalho ou ato (que não seja uma entrega), em benefício do credor; ex. ensinar matemática ao filho do patrão; mandar plantar uma árvore no próprio sítio.

Abrangência

Compreende qualquer atividade humana, lícita e possível, por parte do devedor ou de terceiro a seu mando. Abrange, portanto, a prestação de:
• um serviço material; ex. construir um barco; quebrar um muro; podar as flores;
• um serviço imaterial (isto é: intelectual, artístico ou científico; ex. dar aula, esculpir uma estátua;
• um ato jurídico qualquer (que não seja um serviço); ex. alugar um carro, aceitar a herança.

Distinções entre a obrigação de dar e a de fazer
A – A mistura de obrigações – por serem ambas obrigações positivas; ex. na empreitada (Art. 610, CC) pode ocorrer mão-de-obra (obrigação de fazer) e entrega de materiais (obrigação de dar); na compra e venda (Art. 481, CC), além da entrega da coisa (obrigação de dar), subsiste a responsabilidade pela evicção (Art. 447, CC) e pelos vícios redibitórios (Art. 441, CC) [obrigações de fazer].
Observação: ambas as obrigações, porém, devem ser consideradas principais, distintas entre si, não havendo acessoriedade entre elas; ex. na construção de uma casa, a entrega do material e a feitura da obra mantêm a individualidade e as características próprias.

Distinções entre a obrigação de dar e a de fazer
B – Critérios diferenciadores:
b.1 – a obrigação de dar – 1) incide essencialmente sobre uma coisa; 2) transmite-se pela tradição desta; 3) é passível de execução compulsória em espécie, pelo pedido de penhora, arresto ou seqüestro do próprio bem em juízo; mas 4) não está protegida pela multa (astreinte) para forçar o cumprimento da obrigação (Súmula 500 STF) – exceto nos Juizados Especiais Estaduais (Lei n. 9.099, de 26/09/95, Art. 52, V) e Federais (Lei n. 10.259, de 12/07/01, Arts. 16 e 17 c/c Art. 1º e com a Lei n. 9.099, de 26/09/95, Art. 52, V).
b.2 – a obrigação de fazer – 1) incide essencialmente sobre um fato; 2) não é passível de execução compulsória, já que ninguém pode ser coagido e 3) pode ser cumulada com a multa para forçar o devedor ao cumprimento da obrigação.

Espécies de Obrigação de Fazer


A – Infungível ou personalíssima – é aquela cuja execução é confiada exclusivamente a determinado devedor (intuitu personae), em razão de suas qualidades pessoais (Art. 247, CC); ex. a construção de Brasília por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.
B – Fungível ou não-personalíssima – é aquela em que a prestação pode ser executada indiferentemente pelo devedor ou por terceiro (Art. 249, CC), por não requerer aptidões peculiares para sua execução; ex. a limpeza de um relógio, confiada a qualquer relojoeiro.

Descumprimento da Obrigação de Fazer: conseqüências

A – A impossibilidade da prestação – se ocorrer:
• sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação (Art. 248, 1ª parte, CC), cabendo àquele provar a impossibilidade absoluta (Art. 123, I, CC); ex. provada a perda da voz, o cantor estará isento de cumprir o prometido;
• por culpa do devedor, ele responderá por perdas e danos (Arts. 248, 2ª parte e 389, CC); ex. se o cantor permanecer no estrangeiro, por motivos pessoais, responderá pelo prejuízo que tiver causado à empresa que o contratou.

Descumprimento da Obrigação de Fazer: conseqüências

B – A recusa ou a mora do devedor:
• sendo infungível a obrigação: o devedor tem de indenizar o credor em perdas e danos (Art. 247, CC), porque ninguém pode ser coagido a determinado ato;
• sendo fungível a obrigação: o credor pode mandar executar o fato por terceiro à custa do devedor, sem prejuízo da indenização cabível por perdas e danos (Art. 249, CC) – execução essa que, em caso de urgência, mesmo sem autorização judicial pode o credor efetivar ou mandar seja efetivada, com posterior ressarcimento, (Art. 249, parágrafo único, CC).

Restituir
Conceito
É a que se destina a devolver a outrem o uso, a fruição ou a posse direta da coisa que lhe pertence; ex. devolver o livro emprestado, findo o prazo.

Efeitos da Obrigação de Restituir

Findo o contrato, se o devedor não restituir a coisa (de quem tem a posse ou detenção):
• praticará esbulho, em razão do qual se tornará passível de ação reintegratória, como regra geral;
• ficará sujeito a despejo, que é ação específica em se tratando de locação de imóvel urbano, residencial, comercial ou industrial, bem como de hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público (Lei n. 8.245, de 18/10/91, Arts. 1º, 5º, 51 e 53).


Perda ou deterioração da coisa: conseqüências para o devedor
Analogamente à obrigação de dar coisa certa, sua devolução tem como pressuposto, para que surjam conseqüências para o devedor, que a perda ou deterioração da coisa ocorram antes de sua tradição ou enquanto pender condição suspensiva.
• Na hipótese de perda da coisa:
• sem culpa do devedor, o credor arcará com os prejuízos, extinguindo-se a obrigação (Art. 238, CC), que fica sem objeto em se perdendo a coisa; ex. se a casa alugada se incendiar, o dono (locador) é quem vai sofrer as conseqüências;
• com culpa do devedor, este responderá pelo equivalente, mais perdas e danos (Art. 239, CC), pois lhe cabia conservar e proteger a coisa.

Perda ou deterioração da coisa: conseqüências para o devedor

B – Na hipótese de deterioração da coisa:
• sem culpa do devedor, o credor receberá a coisa no estado em que se achar, sem direito a qualquer indenização (Art. 240, 1ª parte, CC), pois o devedor não pode responder pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior (Art. 393, CC);
• com culpa do devedor, o credor poderá ou exigir o equivalente (em dinheiro); ou aceitar a coisa no estado em que se achar, em ambos os casos mais perdas e danos (Art. 240, 2ª parte, CC).

Melhorias na Coisa

Semelhantemente à obrigação de dar coisa certa, é necessário que as vantagens tenham ocorrido antes da tradição da coisa, valorizando-a, para que surtam efeitos para o devedor ou para o credor. Se tal acontecer:

• Sem despesa ou trabalho do devedor – lucrará o credor, sem pagar indenização, pois a coisa lhe pertence (Art. 241, CC) e os melhoramentos foram devidos ou aos frutos produzidos pela própria coisa ou então advieram por acessão natural (Art. 1.248, I/V, CC).


Melhorias na Coisa
b) Com despesa ou trabalho do devedor – os princípios de regência serão os das benfeitorias (Art. 242 c/c Arts. 1.219/1.222, CC), a saber:
• se o devedor estiver de boa-fé, terá direito à indenização pelos melhoramentos necessários e úteis, podendo sobre estes exercer o direito de retenção; e, quanto aos melhoramentos voluptuários, poderá levantá-los (quando não houver detrimento para a coisa), se não lhe forem pagos;
• se o devedor estiver de má-fé, terá direito a ser ressarcido apenas dos melhoramentos necessários, mas em o direito de retenção pela importância destes e dos úteis, nem o direito de levantar os voluptuários, estes dois últimos ficando perdidos em favor do credor, como compensação pelo tempo em que ficou privado do bem (jurisprudência).

Frutos

Especificamente quanto aos frutos (Art. 242, parágrafo único, CC):

• Se o devedor estiver de boa-fé, os já percebidos serão dele;
• Se o devedor estiver de má-fé, responderá pelos colhidos e pelos que deixou de perceber, tendo, porém, direito às despesas de produção e custeio.
Obrigações Jurídicas Negativas
Não-Fazer
Conceito
É aquela que se distingue negativamente pela abstenção de um ato, que era lícito ao devedor executar ou proibir, em favor de outrem; ex. obrigar-se o inquilino a não trazer gatos ou cachorros para o apartamento.

Espécies

Há de se distinguir as duas modalidade de não-fazer:
• A abstenção (pura e simples) – quando o devedor se compromete a não realizar algo que normalmente poderia fazer; ex. obrigar-se a não vender a casa senão a uma certa pessoa.
• A não-oposição ou não-perturbação – quando o devedor se compromete a não impedir ou estorvar a permissão que consentira a terceiro; ex. concedido o direito de passagem, não pode o proprietário do terreno opor empecilho ou restrições para que nele transite o vizinho, seja criando cercas, seja soltando cachorros ferozes.

Características
• Não pode envolver sensível restrição à liberdade individual – porque implicaria contravir os princípios morais e sociais; ex. seria ilícito a pessoa obrigar-se a não casar.
• Pode estabelecer sua duração no tempo – seja enquanto o devedor viver, seja apenas por um certo período.
• Deve manter a continuidade da abstenção – enquanto perdurar o compromisso, sob pena de inadimplemento.
• Constitui o devedor em mora – de pleno direito, desde o dia em que praticar o ato do qual devia abster-se (Art. 390, CC), não ensejando, assim, a purgação da mora.
• Inverte o ônus da prova – por isso que ao credor cabe demonstrar que não foi cumprido pelo devedor seu dever de abstenção ou não-oposição.

Natureza
Como se trata de uma relação de natureza meramente pessoal, distingue-se, por isso, do direito real resultante da obrigação semelhante derivada de uma servidão negativa.
• Relação de direito pessoal – a obrigação de não-fazer vincula exclusivamente o devedor, que autolimitou seus direitos, abstendo-se de praticar um ato que lhe era lícito executar ou impedir, em favor de terceiro (credor determinado); por isso, com a alienação do bem, extingue-se a obrigação, que recai de pessoa a pessoa e não sobre a coisa; ex. se a obrigação afetar a propriedade de um imóvel, o novo proprietário não precisa manter a restrição passada.
Observação: Para a obrigação pessoal, basta sua transcrição no registro de títulos e documentos, como prova da obrigação assumida (Lei n. 6.015, de 31/12/73, Art. 127, I; Art. 1.378, CC).

Natureza

A servidão negativa – configura um direito real, opondo-se a todos: por isso, acompanha o bem, inclusive na hipótese de ser este alienado; ex. se alguém conceder ao proprietário de um imóvel contíguo a servidão de não construir um muro além de certa altura, a servidão persistirá mesmo se o imóvel for transferido a terceiro.

Observação: A servidão deve ser inscrita no RGI, a fim de efetivar-se como direito real.


Descumprimento da Obrigação de Não-Fazer
• Na impossibilidade de abstenção do fato sem culpa do devedor – isto é, por caso fortuito ou força maior (Art. 393, parágrafo único, CC), resolve-se a obrigação exonerando-se o devedor (Art. 250, CC); ex. a permissão de passagem pode impossibilitar-se por fenômeno da natureza, como o aluvião ou a avulsão.
• Na impossibilidade da abstenção do fato por culpa do devedor – isto é, por realizar ato que lhe era vedado – o credor:
b.1) pode exigir judicialmente que o ato se desfaça, sob pena de o ser à custa do devedor, mais as perdas e danos porventura decorrentes de uma reposição incompleta; e
b.2) pode, independentemente de autorização judicial (em caso de urgência), desfazer ou mandar desfazer, sem prejuízo do ressarcimento devido.

Descumprimento da Obrigação de Não-Fazer


• Se for impossível o desfazimento do ato – a obrigação resolve-se em perdas e danos; ex. ante os danos irreversíveis causados pela revelação de um segredo industrial, só restará a indenização pecuniária.
Obrigações Unilaterais
Conceito
São as obrigações criadas unicamente para uma das partes, como a doação pura, por exemplo.





A prestação a cargo de uma só parte, mesmo envolvendo duas partes e duas declarações de vontade, coloca o que deve a prestação na posição exclusiva de devedor: o peso da obrigação está todo de um lado; os efeitos são somente passivos de um lado, e somente ativos de outro.
Obrigações Bilaterais
Conceito
São as obrigações geradas para ambas as partes, como a compra e venda, a locação.



Essas obrigações são recíprocas, sendo por isso denominadas sinalagmáticas, da palavra grega sinalagma, que significa reciprocidade de prestações.
São aquelas em que ambas as partes contraem obrigações e ao menos alguns dos deveres recíprocos de prestação estão vinculados entre si, de modo que a prestação de um representa, de acordo com a vontade de ambas as partes, a contraprestação, a compensação pela outra. Para caracterizar a bilateralidade, no entanto, não é necessário que essas prestações sejam equivalentes, segundo um critério objetivo: basta que cada parte veja na prestação da outra uma compensação suficiente à sua própria prestação.

Obrigações Plurilaterais
Conceito

São as obrigações que têm mais de duas partes.


Nas obrigações plurilaterais ou plúrimas, tem-se várias partes, como ocorre no contrato de sociedade, em que cada sócio é uma parte. Assim também nos contratos de consórcio. Uma característica das obrigações plurilaterais é a rotatividade de seus membros.
A sua principal característica consiste no fato de que, mediante a sua realização, as partes perseguem um fim comum. Desse modo, a obrigação plurilateral se manifesta, em realidade, como ato coletivo, o qual é, efetivamente, do tipo negocial, mas não é figura contratual. Disto é exemplo a sociedade, da qual constituem características a ausência do elemento “consentimento” e a possibilidade de sua formação (e de sua gestão) mediante deliberação também majoritária;
Obrigações Simples
Conceito
É aquela que incide sobre uma única prestação (de dar, fazer ou não-fazer); ex. entregar ou devolver um livro; fornecer o vinho prometido para a festa de casamento do sobrinho, após especificar a qualidade da bebida e quantificá-la pelo número de convidados da recepção; não conversar na sala de aula.

A liberação do devedor


Dá-se de imediato, após o cumprimento da prestação única, com a qual se confunde a obrigação.
Obrigações Cumulativas ou Conjuntivas
Conceito
É aquela que abrange mais de uma prestação, constituindo porém uma só obrigação, no entanto; ex. compromissar-se a vender o lote de terreno e nele construir uma casa; comprometer-se a pescar na lagoa e a não caçar no bosque vizinho.

A liberação do devedor


Ocorre apenas quando ele cumprir todas as prestações; ex. o pintor de uma casa, que deixar o trabalho pelo meio, não concluiu a tarefa que assumira


Princípio Fundamental

Consiste em que o devedor não pode obrigar o credor a pagar por partes, se assim não tiver sido convencionado (Art. 314, CC). Conseqüências:
• Obrigatoriedade de pagamento só ao final – pois, enquanto o devedor não concluir a última etapa, o credor não estará obrigado a pagar o ajustado pelo todo.
• Possibilidade de pagamento sucessivo – caso tenha sido ajustado o pagamento por parcela: mas assim, a obrigação se desfigura e o credor corre o risco do inadimplemento.
Obrigações Alternativas ou Disjuntivas
Conceito
É aquela que, dentre duas ou mais prestações, o devedor a cumpre ao satisfazer uma só delas,.

Princípios Fundamentais
• Liberação do devedor – basta cumprir uma só das prestações, mediante escolha sua, do credor ou de terceiro, para o devedor livrar-se de sua obrigação.
• Elemento constitutivo da obrigação alternativa – é a escolha (concentração), pois é mediante esta que a prestação se individualiza, tornando-se de complexa em simples. Por isso ocorrerá:
b.1) concentração no(s) objeto(s) remanescente(s) – caso ocorra o perecimento de algum ou alguns dos vários objetos sujeitos à escolha; ex. a obrigação de entregar um dentre quatro cavalos determinados, em morrendo dois ou três deles a obrigação se irá transformando de complexa em simples, concentrando-se no(s) cavalo(s) sobrevivente(s).


b.2) extinção da obrigação: caso pereçam todos os objetos da prestação; ex. se morrerem os quatro cavalos referidos.
• O ato de escolha: não depende de forma especial – devendo ser externada: pelo devedor, até o pagamento; e pelo credor, até o ingresso em juízo.
c.1) características – 1) irrevogabilidade, porque, uma vez feita a opção, esta torna-se definitiva, individualizando-se a prestação, com a liberação das demais, como se a escolhida fosse a prestação única, desde o início; 2) transmissibilidade, pois, falecendo a pessoa (a quem couber a opção) antes de exercê-la, passará esse direito aos herdeiros, seja do credor seja do devedor;
c.2) o direito de escolha – pode o contrato estabelecer esse direito em prol do devedor, do credor ou de terceiro.

A escolha pelo devedor

O direito à escolha – o devedor o terá se o contrato expressamente o previr, ou se for de todo omisso quanto ao beneficiário (Art. 252, CC);
• A liberdade de escolher – o devedor poderá, então, escolher a prestação menos onerosa para si, fazendo mera declaração de unilateral de vontade e/ou oferta real (sendo esta última dispensável na dívida quérable, na qual o devedor não é obrigado a levar a dívida [que é a oferta] ao credor).

• Procedimento – embora tornada definitiva a escolha, uma vez feita:
c.1) poderá ocorrer a recusa pelo credor – se o devedor pretender efetuar o pagamento parte em uma prestação, parte em outra (Art. 252, § 1º);
c.2) o devedor tem o direito de variar – se a obrigação for de prestações anuais, podendo optar a cada ano por uma delas (Art. 252, § 2º, CC), por serem prestações sucessivas, autônomas entre si, pois a escolha da anterior não irá prejudicar a escolha da futura;
c.3) a escolha com prazo convencionado – se este não for cumprido, acarretará a mora (Arts. 394/401, CC): mas tal não implicará inversão em favor do credor;
c.4) se a escolha for sem prazo fixado – o devedor será citado para escolher e realizar a prestação em dez dias, se outro prazo não estiver previsto em lei, no contrato ou na sentença: permanecendo inadimplente, transfere-se então o direito de opção ao credor.

A escolha pelo credor

• O direito à escolha – caberá ao credor nos seguintes casos:
• se estiver previsto na convenção (Art. 252, CC);
• se o devedor, citado para escolher (na hipótese de prazo não fixado), não exercer seu direito de opção por uma das coisas;
• se existir determinação legal a respeito;
• se depender da natureza da obrigação; ex. na oferta das companhias aéreas por milhagem de vôo, cabe ao credor escolher a rota que lhe interessar.
• A liberdade de escolher – o credor poderá escolher a prestação que for mais favorável para si próprio,
• Procedimento – o credor manifestará sua vontade ao devedor, sem a necessidade de aceitação deste: mas, se tiver de acionar o devedor, indicará sua opção na inicial.


A escolha por terceiro


Configura mandato, sendo obrigatória sua opção, por representar a do credor ou do devedor: sem a opção, nula será a obrigação por faltar um de seus elementos essenciais.

Conseqüências da impossibilidade das prestações (Arts. 253/256)
• Impossibilidade sem culpa do devedor (originária ou superveniente) – em razão de perecimento do objeto, ocasionado por caso fortuito ou força maior:
a.1) se a impossibilidade for de uma das duas prestações – a obrigação subsistirá quanto à outra (Arts. 253 e 184, 1ª parte, CC); ex. na obrigação de dar um milhão ou um imóvel (que veio a incendiar-se), subsistirá o dinheiro; na obrigação de demolir o imóvel ou recuperá-lo, se a Prefeitura não permitir as reformas, só restará a demolição;
a.2) se a impossibilidade for de todas as prestações – extinguir-se-á a obrigação (Art. 256, CC), exceto para o devedor em mora (Art. 399, CC); ex. incendiando-se a casa e morrendo o cavalo prometido, nada poderá ser exigido, salvo se tais fatos ocorrerem após a data ajustada para a obrigação.


• Impossibilidade por culpa do devedor:
b.1) se a impossibilidade for de ma das duas prestações – 1) em competindo a escolha ao credor, este terá direito à prestação subsistente ou ao valor da outra, mais perdas e danos (Art. 255, 1ª parte, CC), eis que tinha o direito de escolher uma das prestações; 2) em competindo a escolha ao devedor, a obrigação se concentrará na remanescente;
b.2) se a impossibilidade for de todas as prestações – 1) em competindo a escolha ao devedor, este ficará obrigado a pagar o valor da prestação que por último se impossibilitou (na qual se concentrou a obrigação), mais as perdas e danos devidos (Art. 254, CC); 2) em competindo a escolha ao credor, este poderá reclamar o valor de qualquer das duas prestações, mais a indenização pelas perdas e danos (Art. 255, 2ª parte, CC).
Obrigações Facultativas
Conceito
É aquela que, embora tendo por objeto uma única prestação, oferece ao devedor a permissão de substituí-la por outra (à sua exclusiva escolha).



Não se encontravam no Código Civil de 1916, e não se encontram no atual, disposições especiais sobre este tipo de obrigações. Nem revela uma importância fundamental na aplicação do direito. A caracterização não advém do significado do termo “faculdade”, o qual enseja em admitir a liberdade frente a uma obrigação, podendo cumpri-la, realizá-la, ou abster-se de qualquer ato positivo. Haveria, pois, uma imprecisão no termo. O sentido, no que leva a certa confusão com as obrigações alternativas, é possibilitar a substituição de uma prestação por outra.
Pode-se dizer que este tipo de obrigação tem por objeto apenas uma prestação, mas deixando a liberdade para não cumpri-la pela renúncia de um direito, ou decorrendo do contexto da obrigação a viabilidade de cumprir algo diferente, e que decorre da própria estipulação.

Obrigação facultativa x obrigação alternativa


• Na obrigação facultativa – há unidade de prestação: apenas o contrato permite ao devedor a substituição de seu objeto; por isso, o credor só poderá exigir, em juízo, a obrigação prevista no contrato, ressalvado ao devedor substituí-la.
• Na obrigação alternativa – há pluralidade de prestações, com objetos distintos, uma suprimindo a outra no caso de uma delas se impossibilitar; por isso, em juízo o credor poderá pedir uma ou outra prestação, e o devedor poderá solver qualquer delas.
Obrigações Puras
Conceito
Obrigações puras são as não sujeitas a condição, termo ou encargo. São as que produzem efeitos imediatos, logo que contraídas, como sucede normalmente nos negócios inter vivos e pode ocorrer também nos negócios causa mortis. Assim, por exemplo, pode o doador ou o testador dizer que doa ou deixa determinado bem para certa pessoa, de forma pura, ou seja, sem subordinar os efeitos da liberalidade a qualquer condição ou termo e sem impor nenhum encargo ao beneficiário.
Obrigações Complexas ou Modais (Arts. 136 e 137)
Conceito
É a que é imposta ao devedor para o fim de ser empregado o bem pela maneira e com a finalidade estabelecida pelo instituidor.

Natureza



• Cláusula acessória exclusiva dos atos a título gratuito – pois, se o encargo ocorresse num negócio oneroso, seria uma contraprestação num contrato bilateral.
• Objeto – pode ser uma prestação de dar, fazer ou não-fazer em favor do autor da liberalidade ou de terceiro.
• Diferença entre encargo e condição – a condição não é coercitiva; o encargo sim.

Efeitos
• A aquisição e o exercício do direito – não se suspendem, salvo quando é expressamente imposto no ato, como condição suspensiva (Art. 136 CC); ex. a aquisição do legado não ficará suspensa, salvo se condicionada à prévia construção de um mausoléu para o testador.
• O encargo ilícito ou impossível (física ou juridicamente) – Art. 137 CC – 1) considera-se cláusula não-escrita, como se a obrigação não tivesse sido imposta, mantido, porém, o ato de liberalidade; ex. se a construção de uma escola num legado de uma gleba de terra estiver conjugado a um casamento incestuoso, despreza-se o cumprimento desta cláusula, a doação de um terreno, em si, permanecendo válida, entretanto; 2) exceção: se o encargo se constituir o motivo determinante da liberalidade, quanto então reta invalidado o negócio jurídico.




• A inexecução do encargo no prazo – enseja duas ações:
• A de revogação da liberalidade (Arts. 553 e 555 CC), a pedido do instituidor ou seus herdeiros, tendo o efeito de condição resolutiva; ex. no encargo descumprido, a doação é tida como se nunca tivesse existido;
• A de cumprimento do encargo (que se transmite aos herdeiros do devedor: Arts. 553, 1.938 e 1.949, CC), a pedido do instituidor ou seus herdeiros, dos beneficiários ou do Ministério Público, neste último caso só após a morte do doador e se for do interesse público.
Obrigações Divisíveis e Indivisíveis


Quando na obrigação concorrem um só credor e um só devedor ela é única ou simples. As obrigações divisíveis e indivisíveis, porém, são compostas pela multiplicidade de sujeitos. Nelas há um desdobramento de pessoas no pólo ativo ou passivo, ou mesmo em ambos, passando a existir tantas obrigações distintas quantas as pessoas dos devedores ou dos credores. Nesse caso, cada credor só pode exigir a sua quota e cada devedor só responde pela parte respectiva (Art. 257, CC).
O novo diploma, embora tenha se omitido em relação à obrigação divisível, conceituou a indivisível no Art. 258, revelando a íntima relação existente entre essa questão e o objeto das obrigações. Dispõe, com efeito, o aludido dispositivo:
Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico.



A exegese desse artigo permite afirmar que a obrigação é divisível quando tem por objeto uma coisa ou um fato suscetíveis de divisão.
As obrigações divisíveis e indivisíveis, como foi dito, são compostas pela multiplicidade de sujeitos. Tal classificação só oferece interesse jurídico havendo pluralidade de credores ou de devedores, pois, existindo um único devedor obrigado a um só credor, a obrigação é indivisível, isto é, a prestação deverá ser cumprida por inteiro, seja divisível, seja indivisível seu objeto.
Na realidade, havendo um só credor e um só devedor, seria irrelevante averiguar a se a prestação é ou não divisível, visto que, segundo o Art. 314 do Código Civil, divisível ou não, o credor não pode ser obrigado a receber nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.
Obrigações Principais e Acessórias

Conceito e efeitos
Reciprocamente consideradas, as obrigações dividem-se em principais e acessórias. As primeiras subsistem por si, sem depender de qualquer outra, como a de entregar a coisa, no contrato de compra e venda. As obrigações acessórias têm sua existência subordinada a outra relação jurídica, ou seja, dependem da obrigação principal.
O critério para classificar as obrigações em principais e acessórias é o mesmo que levou o legislador a dividir os bens, reciprocamente considerados, dessa forma, no Art. 92, CC.
Várias conseqüências de ordem jurídica decorrem da regra accessorium sequitur suum principale. Primeiramente, a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal, como dispõe o Art. 184, segunda parte, do CC. Desse modo, nulo o contrato de empreitada, por exemplo, nula será a cláusula penal nele estipulada, mas a recíproca não é verdadeira.
Obrigações Sucessíveis e Não Sucessíveis


A relação obrigacional admite alterações na composição de seus elementos essenciais, que se efetuam no curso de sua existência, sem lhe atingir a individualidade. O vínculo subsiste na sua identidade, apesar das modificações, mediante processo técnico que as legislações modernas consagram.
As alterações podem ser introduzidas no elemento pessoal, no elemento material e no elemento causal.
Verificam-se no elemento pessoal pela substituição de um dos sujeitos da relação. Ocorre, nesse caso, sucessão. Compreende, lato sensu, todas as situações nas quais um sujeito de direito toma o lugar de outro em determinada relação jurídica, seja por negócio inter vivos, a título singular ou a título universal.
No Direito das Obrigações, considera-se apenas a sucessão inter vivos. Isso não significa que a relação obrigacional só se modifique subjetivamente por esse modo. A substituição ocorre, as mais das vezes, em conseqüência da morte do devedor ou do credor. Nesses casos, regula-se pelo Direito das Sucessões.



A sucessão na relação obrigacional pode ser ativa ou passiva. No primeiro caso, a substituição é do credor. Na sucessão passiva, do devedor.
Os meios técnicos de sucessão ativa são: a) a cessão de crédito; b) a sub-rogação.
Opera-se a sucessão passiva pela: a) delegação; b) expromissão.
A substituição do credor, ou do devedor, na relação obrigacional, sem extinção do vínculo, é conquista do Direito moderno. Enquanto se concebeu a obrigação como vínculo de natureza pessoal, não foi possível admitir, salvo pela sucessão mortis causa, que outra pessoa penetrasse na relação jurídica para tomar a posição de um dos seus sujeitos.




No Direito moderno, o conceito de obrigação modificou-se profundamente. Sem se chegar ao extremo de considerá-la um vínculo entre patrimônios, admite-se que sua natureza patrimonial induz à transmissibilidade dos direitos e deveres que incorpora. Em conseqüência, a substituição do credor ou do devedor passou a ser permitida, entendendo-se que a modificação subjetiva, pela sucessão ativa ou passiva, não extingue nem afeta o vínculo jurídico.
Com a substituição de um dos sujeitos da relação obrigacional, não deixa de ser esta ela mesma, continuando, portanto, a existir como se não houvesse sofrido qualquer alteração.

Obrigações Líquidas e Ilíquidas
Obrigação Líquida
Conceito
É a que, além de certa quanto à sua existência, é determinada (em espécie, quantidade e qualidade) quanto a seu objeto, de modo a poder ter expresso seu valor por uma cifra.

Institutos jurídicos que exigem liquidez – por previsão legal



a) Compensação (Art. 369, CC); b) Imputação do pagamento (Art. 352, CC); c) Depósito (Art. 644, CC); d) A execução para cobrança de crédito (Art. 586, CC); e) A concessão de arresto (Art. 814, I, CPC); f) A consignação em pagamento (Arts. 890 e seguintes, CPC).
Obrigação Ilíquida
Conceito
É a que, embora certa quanto à sua existência e determinada quanto a seu objeto, é incerta apenas quanto ao montante da prestação, tornando-se certa pela liquidação (apuração do montante).
Obrigações Querables e Portables

Na realidade, essa classificação se dá quando do pagamento da obrigação. Para tanto, verificar-se-á se o pagamento deverá ser efetuado no domicílio do devedor ou do credor.
O Art. 327 CC estatui que o pagamento deve efetuar-se no domicílio do devedor, logicamente, à época em que tiver de executar-se a obrigação. Acrescenta, entretanto, esse dispositivo de lei: “... Salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias”.
Isso quer dizer que, em princípio, o pagamento deve ser feito no domicílio do devedor. A dívida, neste caso, será quesível, ou seja, deve ser cobrada, buscada pelo credor no domicílio do devedor.
É de lembrar-se, por outro lado, de que às vezes, consta expressamente, no contrato, a obrigação do devedor de levar o débito ao domicílio do credor ou onde este indicar. Neste caso, a dívida será portável, levável, pois o devedor deverá portá-la, levá-la à presença do credor.
Obrigações de Meio, de Resultado e de Garantia

Diz-se que a obrigação é de meio quando o devedor promete empregar seus conhecimentos, meios e técnicas para a obtenção de determinado resultado, sem no entanto responsabilizar-se por ele. É o caso, por exemplo, dos advogados, que não se obrigam a vencer a causa, mas a bem defender os interesses dos clientes.
Quando a obrigação é de resultado, o devedor dela se exonera somente quando o fim prometido é alcançado. Não o sendo, é considerado inadimplente, devendo responder pelos prejuízos decorrentes do insucesso. Exemplo de obrigação dessa natureza é a assumida pelo transportador, que promete tacitamente, ao vender o bilhete, levar o passageiro são e salvo a seu destino.
Obrigação de garantia é a que visa a eliminar um risco que pesa sobre o credor, ou as suas conseqüências. Embora este não se verifique, o simples fato do devedor assumi-lo representará o adimplemento da prestação. Tal ocorre porque o afastamento do risco que recai sobre o credor representa um bem suscetível de aferição econômica, como os prêmios de seguro, ou as garantias bancárias que se obtêm mediante desconto antecipado de juros.
Obrigações Transeuntes e Sucessivas



Essa classificação diz respeito ao momento em que devem ser cumpridas as obrigações.
Transeunte dá o sentido passageiro, transitório. Nesse sentido, entendo como sendo a obrigação de execução diferida, cujo cumprimento deve ser realizado em um só ato, mas em um momento futuro (entrega, em determinada data posterior, do objeto alienado).
Já as sucessivas apresentam-se como de execução continuada que é a que se prolonga no tempo, sem solução de continuidade ou mediante prestações periódicas ou reiteradas.

Obrigações Preliminares e Definitivas

As obrigações preliminares são aquelas relacionadas a uma convergência de vontades que não ocorre de forma instantânea. Algumas vezes resulta de uma prolongada e exaustiva fase de conversações ou negociações preliminares. É fonte do contrato preliminar, que tem sempre por objeto a efetivação de um contrato definitivo. Contrato preliminar ou pactum de contrahendo, é aquele que tem por objeto a celebração de um contrato definitivo. Estipula-se uma obrigação preliminar, da qual nasce precisamente a obrigação de concluir no futuro definitivamente. Importante ressaltar que as obrigações preliminares estão eivadas da mesma forma das definitivas, gerando inclusive a observância dos deveres gerais de conduta e uma possível responsabilidade pré-contratual em caso de eventual descumprimento. Por sua vez, as obrigações definitivas são as decorrentes de uma avença pactuada, certa e consagrada, observadas todas as suas peculiaridades (Art. 104, 421 e 422 do CC) e eventuais responsabilidades.
Referências bibliográficas

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Teoria Geral das Obrigações 1

Teoria Geral das Obrigações
MARCOS HISTÓRICOS DO CONCEITO DE OBRIGAÇÃO
DIREITO ROMANO
Nas Instituições de justiniano "obligatio est iuris vinculum, quo necessitate adstringimur alicuius solvendae rei, sencundum nostra civitatis iura - Tradução livre: "Obrigação é vinculo jurídico, pelo qual somos adstritos a pagar qualquer coisa, segundo nossos direitos de cidade.

Segundo Paulo, jurista romano, "Obligationum substantia non in eo consistij ut aliquod corpus nostrum aut servitutem nostram faciat sed ut alium nobis obstringat ad dandum aliquid vel faciendum vel praestandum" - Tradução livre: "A essência das obrigações não consiste em que façamos nosso coisa ou direito, mas em que possamos forçar alguém a dar, fazer ou prestar algo“.
DIREITO MODERNO
Para o autor francês Pothier obrigação é vínculo de direito que nos subordina a respeito de outrem a dar-lhe alguma coisa ou a fazer ou não fazer algo.

Nos dizeres do italiano Polacco, obrigação é relação jurídica patrimonial, por força da qual devedor é vinculado a prestação positiva ou negativa em face de credor.

O francês Démogue coloca que obrigação é a situação jurídica que tem por objeto ação ou abstenção de valor econômico ou moral, cuja realização certas pessoas devem assegurar.

Na Alemanha os autores Enneccerus, Kipp e Wolff entendem obrigação como um direito de crédito que compete a uma pessoa, o credor, contra outra pessoa determinada, o devedor, para satisfação de interesse, digno de proteção, que tem o primeiro.
CONCEITOS DE OBRIGAÇÃO NA ATUALIDADE

Para Lacerda de Almeida, obrigação é vínculo jurídico pelo qual alguém está adstrito a dar, fazer ou não fazer alguma coisa.


Segundo Pontes de Miranda, obrigação, em sentido estrito, é relação jurídica entre duas ou mais pessoas, de que decorre a uma delas, ao devedor, ou a algumas, poder ser exigida, pela outra, credor, ou outras, prestação. Do lado do credor, temos pretensão; do lado do devedor obrigação, que vem a ser dever em sentido amplo. O autor distingue obrigação em sentido lato de obrigação em sentido estrito. Obrigação lato sensu é sinônimo de dever, seja jurídico ou não. Obrigação stricto sensu é sinônimo de dever jurídico.
Doutrina estrangeira
O autor espanhol Ricardo Ruiz Serramalera coloca que, em sentido amplo, por obrigação se entende qualquer atividade que uma pessoa desempenha em benefício ou favor de outra, impulsionado por uma causa que o impõe como um dever concreto uma prestação determinada; mas no sentido jurídico de obrigação está recortado este conceito enquanto deixa fora de seu âmbito a obrigação moral como dever cujo cumprimento não é exigível. Reduzida a obrigação jurídica neste sentido, não é senão uma manifestação de dever jurídico geral, imposto pelas normas de direito positivo, caracterizado por se dirigir a satisfação de um interesse particular ou individualizado.

O autor alemão Karl Larenz conceitua obrigação como uma relação de obrigação pela qual uma ou mais pessoas se obrigam a cumprir e adquirem direito a exigir determinada prestação. Àquela pessoa a quem corresponde exigir a prestação chamamos de credor, porque se trata de uma relação de caráter contratual, “crê” na pessoa do obrigado, em sua vontade e capacidade de cumprir a obrigação. O obrigado a fazer a prestação é o devedor.
CLASSIFICAÇÃO DE OBRIGAÇÃO
TIPOLOGIA

OBRIGAÇÃO MORAL

OBRIGAÇÃO NATURAL

OBRIGAÇÃO JURÍDICA
OBRIGACÃO MORAL - conceito
Maria Helena Diniz conceitua obrigação moral como um mero dever de consciência, sendo cumprida apenas por questão de princípios; logo, sua execucão é mera liberalidade.

Do autor Ricardo Ruiz Serramalera, extrai-se o entendimento de obrigação moral como uma atividade que uma pessoa desempenha em benefício ou favor de outra, impulsionada por uma causa que impõe uma prestação como dever, cujo cumprimento não é exigível.

Em ambos os conceitos acima, nesta espécie de obrigação evidencia-se a existência de uma consciência moral como vínculo, ou seja, não há apreciação da norma jurídica na obrigação moral. Não há vínculo jurídico. A obrigação moral é marcada por um dever que não pertencente ao mundo de ser positivado pelo direito como, por exemplo, ir à missa aos domingos ou a realização de um pedido de última vontade do morto sem que este estivesse determinado em testamento.

OBRIGAÇÃO NATURAL - conceito
Manuel Antonio Domingues de Andrade conceituou obrigação natural como sendo aquela em que o credor não pode exigir do devedor uma certa prestação, embora, em caso de adimplemento espontâneo ou voluntário, possa retê-la a título de pagamento e não de liberalidade. Isto é, a obrigação natural é delineada pela presença de um credor e um devedor, faltando-lhe, todavia, a garantia jurídica por meio da qual o devedor pode ser compelido a cumprir a avença. Há previsibilidade do fato no direito, porém, há ausência do direito do credor de exigir que o devedor proceda ao cumprimento de obrigação natural, inexigibilidade do cumprimento desta obrigação.
Característica de obrigação natural

Carlos Roberto Gonçalves elenca três características:

a) inexigibilidade do cumprimento, que consiste na ausência do direito do credor de exigir que o devedor proceda ao cumprimento de obrigação natural;

b) inexistência do dever de prestar, já que a obrigação de prestar depende única e exclusivamente da vontade do credor que, se assim entender, pode proceder ao pagamento da prestação; todavia assim o fará de forma voluntária, dada à inexistência de obrigatoriedade de prestação de obrigação de natural;

c) inadmissibilidade de repetição em caso de pagamento voluntário, uma vez que procedida à prestação do débito, bem assim tenha sido levada a efeito de forma espontânea e por pessoa capaz, não poderá repetir o que se pagou.
EXEMPLOS DE OBRIGAÇÃO NATURAL NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Dívida Prescrita (CÓDIGO CIVIL, ART. 882, 1ª PARTE)

Washington de Barros Monteiro coloca dentre os exemplos de obrigação natural a dívida prescrita que se caracteriza pela sua inexigibilidade. Argüida a prescrição liberatória, impõe-se-lhe a repulsa pelo juiz (Código Civil, Artigo 194). Paga, porém, pelo devedor, a obrigação adquire eficácia jurídica; o pagamento torna-se irrepetível, ao influxo e sob o império da soluti retentio.


Débitos resultantes de jogos e apostas (CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 814 e 815)
Maria Helena Diniz aponta nove conseqüências jurídicas do jogo e da apostar:

1) todas as espécies de jogos, lícitos ou ilícitos, não obrigam o pagamento, porque inexigível, excetuando-se jogo no turfe e a loteria esportiva;

2) a eficácia do jogo e da aposta limita-se à impossibilidade de repetição;

3) haverá direito de repetição oriundo de jogo se foi este ganho com dolo ou se o perdente for incapaz;

4) não se admite, segundo alguns juristas, contrato que envolva novação ou fiança oriunda de dívida de jogo;

5) a nulidade de ato jurídico realizado em função de jogo não alcança o terceiro de boa-fé;

6) inexiste a possibilidade de reembolso do que se emprestou para jogar ou apostar;

7) dívida de jogo oriunda de aposta não pode ser utilizada para compensação, posto que esta requer dívida vencida;

8) inexiste a possibilidade de constituir ônus real para assegurar pagamento de dívida advinda de jogo ou de aposta;

9) inadmite-se reforço de dívida de jogo ou de aposta através de cláusula penal.

DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA EM OBRIGAÇÃO NATURAL
Novação e Compensação: SUSCETIBILIDADE X INSUSCETIBILIDADE
Suscetibilidade de novação e de compensação
Os juristas franceses, dentre eles Larombière, Baudry-Lacantiniere e Barde, Demolombe, Planiol, admitem que tal obrigação pode ser objeto de novação.

Serpa Lopes admite novação de obrigação natural desde que ela não seja oriunda de causa ilícita.

Para Sílvio Rodrigues obrigação natural é mais do que um simples dever moral, pois a própria lei tem como válido o seu pagamento, tanto que admite repetição (Código Civil, Artigo 882); sendo assim, as partes podem nová-la, e a nova obrigação, extinguindo a anterior, é jurídica e exigível.

José Soriano de Souza Neto, entende admissível, devido à possibilidade da prescrição ser renunciada (Código Civil, Artigo 191), podendo-se ter, segundo ele, na novação de uma dívida prescrita, uma renúncia tácita à prescrição já consumada.
Insuscetibilidade de novação e de compensação
Washington de Barros Monteiro contesta a referida possibilidade de suscetibilidade porque as obrigações naturais são insuscetíveis de pagamento compulsório.

Clóvis Beviláqua entende que obrigações não constituem deveres jurídicos, mas morais, de maneira que, a seu ver, os interessados poderão obrigar-se civilmente, se quiserem, porém tal operação é criação de vínculo jurídico originário e não novação.
OBRIGAÇÃO JURÍDICA
CONCEITO DE OBRIGAÇÃO JURÍDICA (STRICTO SENSU)
Para Clóvis Beviláqua obrigação é a realização transitória de Direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciavél, em proveito de alguém, que, por ato nosso, ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude de lei, adquiriu o direito de exigir de nós ação ou omissão.

Washington de Barros Monteiro diz que obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório estabelecida entre o devedor e o credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.

Segundo Orlando Gomes relação obrigacional é vínculo jurídico entre duas partes, em virtude do qual uma delas fica adstrita a satisfazer prestação patrimonial de interesse da outra, que pode exigi-la se não for cumprida espontaneamente, mediante agressão ao patrimônio do devedor.

CLASSIFICAÇÃO
MODALIDADES
Obrigações Positivas
A. Obrigações de dar:
A1. Dar coisa certa
A2. Dar coisa incerta

B. Obrigações de fazer:
B1. natureza fungível - (não personalíssima)
B2. natureza infungível –
(“intuitu personae” ou personalíssima)




A. Obrigações de dar:
Aquela pela qual uma ou mais pessoas se obrigam diante de outra ou outras a entregar uma coisa. Nesse caso, então, a prestação se verifica em um objeto que é dado, em virtude do acordo de vontades.
A1. Dar coisa certa
I – Obrigação de Transferir – quando o credor recebe coisa do
devedor para instituir um direito real. Ex: contrato de compra e venda,
em que o vendedor transfere a coisa ao comprador com a finalidade de
instituir o direito real de propriedade;

II – Obrigação de Entregar – o devedor não deseja transferir a
propriedade, mas sim a posse. Ex: contrato de locação e contrato de
comodato.

III – Obrigação de Restituir, onde há a devolução do objeto já
entregue. A propriedade pertence ao credor.









A2. Dar coisa incerta
n Haverá a indicação de quantidade e gênero, mas não de espécie. Ex: compra de cem caixas de refrigerante, sem especificar qual a marca. Pelo art. 244 do Código Civil, a escolha pertence ao devedor. Este artigo estabelece o “critério mediano”.


n A única modificação substancial que este modelo de obrigação sofreu no novo Código está assente no art. 245, segundo o qual, quando se trate de obrigação de entrega de coisa incerta, passam a vigorar as regras atinentes à obrigação de dar coisa certa, com a conseqüente distribuição da culpa pelo perecimento eventual do objeto, assim como as regras a respeito dos frutos e melhoramentos, não mais a partir do momento em que a escolha é efetivada, mas sim do momento em que esta escolha foi levada ao conhecimento da outra parte.
Características da obrigação de dar
n 1. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios. Art. 233, CC.


n 2. Se a coisa perecer antes da entrega, quem arca com o prejuízo?
n A regra é que o prejuízo será suportado pelo dono: “res perit domino”. Nas obrigações de transferir e entregar, o dono é o devedor. Ex: compro um carro, pago e o dono fica de me entregar em uma semana. Se o perecimento ocorrer entre a data da obrigação e a da transferência, quem responde é o vendedor do carro.



n Se o perecimento foi sem culpa do devedor, haverá a devolução do valor pago. Se ocorreu por culpa, além da devolução haverá indenização por perdas e danos. Nos dois casos a devolução do valor visa impedir o enriquecimento ilícito. Na obrigação de restituir, o proprietário é o credor e terá que arcar com o prejuízo.

n Se o perecimento ocorre sem culpa, há a extinção da obrigação, sem penalidade. Se houver perecimento culposo, haverá possibilidade de cobrar o valor da coisa e perdas e danos. Se ocorrer o perecimento parcial, é possível ficar com a coisa, requerendo abatimento no preço.




3. Melhoramento na coisa – art. 237, CC.

Se houver melhoramento na coisa e o seu credor não quiser pagar por ela, o devedor poderá resolver a obrigação. O art. 242 do CC traz o melhoramento em virtude do trabalho do devedor. Se o melhoramento ocorrer sem trabalho do devedor, ou seja, por força da natureza, pertencerá ao credor, pois na obrigação de restituir a propriedade é dele. A regra é a inversa da “res perit domino” – o acessório também deve pertencer ao dono.

Tutela jurídica específica no Código de Processo Civil

n Na obrigação de dar há tutela específica no Código de Processo Civil a qual pode ser satisfeita pelo processo executivo (Artigo 621, Código de Processo Civil ) ou por processo de conhecimento (Artigo 461, Código de Processo Civil ). O Artigo 461, §4º do Código de Processo Civil prevê que o juiz pode fixar multa diária ou astreintes. Essa multa não se confunde com a cláusula penal, que é fixada pelas partes.

B. Obrigação de fazer
n A obrigação de fazer diz respeito também ao objeto da prestação e é aquela relativa à facção de uma certa tarefa. Neste modelo o legislador incluiu uma regra nova no Artigo 249 do Código Civil de 2002 que permite ao credor, verificada a urgência, que requeira a medida e, independentemente de autorização judicial para tanto, mande executar o fato, às suas expensas, ressarcindo-se do prejuízo cabível, posterior ressarcimento, pelo devedor.
B1. Obrigação de fazer de natureza fungível
n A fungibilidade está ligada ao sujeito da obrigação, que pode ser cumprida por qualquer pessoa. O inadimplemento dessa obrigação está regulado pelo Artigo 249 do Código Civil. O parágrafo único do Artigo 249 do CC prevê que, em caso de urgência, pode o credor, independente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido. Foi uma inovação colocar uma possibilidade de autotutela no Direito das Obrigações. Cabem também astreintes. O ressarcimento posterior será cobrado via ação de regresso.

B2. Obrigação de fazer de natureza infungível

n A obrigação de fazer de natureza infungível não pode ser feita por outra pessoa, pois é “intuitu personae” ou personalíssima. Nesses casos não existe possibilidade de um terceiro realizar a obrigação. Seu cumprimento é exigido de acordo com o Artigo 461 do Código Processo Civil. Há possibilidade de cobrança de astreintes.

OBRIGAÇÕES NEGATIVAS

n Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka coloca que essa obrigação diz respeito também ao objeto da prestação que é aquele relativo à não facção de uma certa tarefa. Nestes modelos o legislador incluiu uma regra nova no Artigo 251 do Código Civil/ 2002, regra esta que permite ao credor, verificada a urgência, que requeira a medida, e independentemente de autorização judicial para desfazer aquilo a que o devedor era obrigado a não fazer, cabível posterior ressarcimento, pelo devedor (Exemplo: o desfazimento de um muro em local em que havia a obrigação de não fazê-lo).
MODIFICAÇÕES DO CÓDIGO CIVIL
Inadimplemento das obrigações de fazer (natureza fungível) e não fazer

Segundo Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka o contido tanto no Artigo 249 quanto no Artigo 251 do CC/2002 referindo-se, respectivamente, às obrigações de fazer (natureza fungível) e não fazer, impõe uma modificação importante e tendente à manutenção do bem jurídico envolvido, modificação que joga a favor da segurança jurídica, refere-se também mais a uma questão procedimental que material. Vale dizer: o credor já poderia ser ressarcido segundo a letra dos Artigos 881 e 883 do CC/1916. Apenas não estava expressa uma espécie de quase auto-tutela. A autora menciona quase auto-tutela porque poderá o juiz entender que a urgência não era tamanha que autorizasse a facção ou o desfazimento do fato, devendo o credor ter agido com maior prudência e cautela, constatando que a ação poderia ter sido praticada a melhor preço, por exemplo, pelo que poderá o juiz determinar, nesse caso e ausente a urgência, que o ressarcimento se faça pelo preço menor, por ter sido precipitado o credor. Ou seja, a auto-tutela não existe porque o juiz mantém a tutela estatal em seu poder, ainda que por verificação a posteriori.
Distinção entre obrigação unilateral e bilateral
n Karl Larenz coloca que pode ocorrer que em uma relação obrigacional só uma das partes é obrigada a fazer umas prestação para outra, que só adquire direitos (relação de obrigação / unilateral). Por exemplo promessa de doação, mútuo. Mas pode acontecer também que cada uma das partes deva algo a outra e seja então devedor respectivo da prestação que incumbe fazer e o credor no quanto o que corresponde exigir. Por exemplo contrato de compra e venda (relação de obrigação / bilateral).
Classificação quanto à estrutura

n Obrigações puras e simples, condicionais, a termo e modais:

n A estrutura obrigacional compõe-se de certos elementos essenciais, naturais e acidentais. Posto isso, temos que será pura e simples a obrigação, quando não se subordinar a condição, termo ou encargo. Ou seja, estarão presentes, pura e simplesmente, seus elementos essenciais e naturais.

n Ao contrário, será condicional, quando seus efeitos dependerem do implemento de condição suspensiva. Há casos em que seus efeitos se produzem até o implemento de condição resolutiva.

n Se subordinar-se a termo inicial e ou final, teremos obrigação a termo certo ou incerto.

n Sendo a hipótese de encargo, a obrigação será modal.
Quanto aos sujeitos
n As obrigações solidárias jamais se presumem, ocorrendo sempre em virtude de lei ou contrato.Havendo impossibilidade da prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o dever de ressarcir o credor pelo equivalente mas, por perdas e danos, responde só o culpado. Assim, por exemplo, se João e Manoel deviam um quadro a Pedro e, por culpa de João, o quadro vem a perecer, ambos os devedores respondem solidariamente pelo preço da obra mas, pelos prejuízos devidos além do preço, somente João responderá.

n Obrigações subsidiárias - Do lado passivo há vários devedores sucessivos, um respondendo, caso o outro não o faça. Primeiro o credor tem que acionar um deles, para depois acionar o outro. É o caso da fiança, em que o fiador, em princípio, só responde depois de acionado o devedor principal. Do lado ativo há vários credores sucessivos, um recebendo depois do outro. Por exemplo: contrato de seguro de vida em que sejam nomeados beneficiários sucessivos, um recebendo na falta do outro.

Quanto ao objeto
n Obrigação facultativa

Aquela em que há uma única prestação. Prevê uma relação subsidiária. Há uma prestação única, que deve ser cumprida de uma determinada maneira. Ex: contrato estimatório – art. 534, CC. A lei permite que a obrigação seja cumprida de outra forma,contrato de compra e venda para entrega de arroz, mas se não puder ser cumprido, poderá entregar feijão. Somente o objeto principal pode ser exigido.


n Obrigações disjuntivas ou alternativas

Há vários devedores que se obrigam, cada um deles, por toda a obrigação. O credor pode escolher qual deles fará o pagamento. Uma vez escolhido, os outros se desoneram, retirando-se por completo da relação. É o caso típico dos contratos administrativos precedidos de licitação, em que cada licitante se obriga por toda a obrigação nos termos da proposta que fez. Sendo escolhido um deles, os demais se desobrigam.


n Obrigação cumulativa

Há várias prestações. É composta. O que a diferencia da anterior é a conjunção “e”. A extinção da obrigação se dá com o cumprimento de todas as prestações. O credor só poderá acionar um deles se acionar os demais. Se contrato pintor e pedreiro para reformar minha casa, só poderei exigir a prestação do pintor depois de exigir a do pedreiro. Uma está vinculada à outra, apesar de serem individadas.




n Obrigação líquida: quando seu objeto estiver totalmente determinado, quanto à espécie, qualidade e quantidade. Entregar dez sacas de café tipo exportação ou realizar a pintura de uma casa, por exemplo.

n Obrigações ilíquidas: o objeto não se encontra totalmente determinado no momento em que surge a obrigação. Tal seria o caso de entregar o produto de um dia de pescaria.
Obrigação divisível e indivisível (ARTIGOS 257 E 258 DO CÓDIGO CIVIL)
n Na prestação indivisível há pluralidade de devedores. O credor pode cobrar a totalidade da obrigação de qualquer um deles. Não há solidariedade. Só pode exigir o todo de um dos devedores por causa do objeto indivisível a prestação. É o que a doutrina chama de “aparência de solidariedade”. Art. 259, CC. Aquele que paga a totalidade pode exercer o direito de regresso contra os demais. A obrigação solidária não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes. Art. 256, CC. O credor pode perdoar um dos devedores, não se estendendo aos demais. Se a obrigação for indivisível, haverá a exclusão do devedor perdoado. Se for divisível, será preciso calcular o valor a ser descontado, a quota do devedor perdoado Art. 271, CC – deixa de ser indivisível a obrigação que se resolve em perdas e danos.

Classificação quanto ao objetivo

n A obrigação é de resultado, quando o fim por ela colimado é algo perfeito, acabado. Por exemplo, obrigação contraída em compra e venda. O objetivo, qual seja, a transferência da propriedade de um bem ao comprador, é resultado.

n Nas obrigações de meios, o resultado não é seu objeto e sim o processo para se alcançar. Assim é a obrigação do médico de fornecer os meios para curar o doente. Não é de resultado, por ser este imprevisível. Mesmo porque o médico não pode ter como obrigação curar o doente, mas sim fazer o possível para tanto.

n Obrigação de garantia: é o que tem por conteúdo a eliminação de um risco, que pesa sobre o credor.

Quanto ao pagamento
n obrigação portables - o devedor deve levar ao credor a prestação devida (Artigo 335, inciso I do Código Civil);

n obrigação quérables - o credor deve buscar a prestação devida no domicílio do devedor (Artigo 335, inciso II do Código Civil).

Obrigações principal e acessória
n Principal: É a existente por si, abstrata ou concretamente, sem qualquer sujeição a outra relação jurídica.

n Acessória: É aquela cuja existência supõe a da principal. Por exemplo juro; fiança; direitos reais de garantia, evicção, cláusula penal etc.
DA TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES
1. CESSÃO DE CRÉDITO: regulada pelos artigos 286 a 298 do Código Civil.

n Conceito: A cessão de crédito consiste em um negócio jurídico por meio do qual o credor (cedente) transmite total ou parcialmente o seu crédito a um terceiro (cessionário), mantendo-se a relação obrigacional primitiva com o mesmo devedor.

n Cessão de crédito é o negocio jurídico bilateral, pelo qual o credor transfere a outrem seus direitos na relação obrigacional. Trata-se de um dos mais importantes instrumentos da vida econômica atual, especialmente na modalidade de desconto bancário, pelo qual o comerciante transfere seus créditos a uma instituição financeira. Tem feição nitidamente contratual.

2. Assunção de dívida (cessão de débito):
A matéria está prevista nos artigos 299 a 303 do Código Civil que cuidam especificamente da assunção da dívida.

n Conceito: trata-se de negócio jurídico pelo qual o devedor transfere a outrem sua posição na relação jurídica. Segundo a doutrina, é um negócio jurídico bilateral, pelo qual o devedor, com anuência expressa do credor, transfere a um terceiro, que o substitui, os encargos obrigacionais, de modo que este assume sua posição na relação obrigacional, responsabilizando-se pela dívida, que subsiste com os seus acessórios (Carlos Roberto Gonçalves).

n A cessão de débito ou assunção de dívida consiste em um negócio jurídico por meio do qual o devedor, com o expresso consentimento do credor, transmite a um terceiro a sua obrigação. Cuida-se de uma transferência debitória, com mudança subjetiva na relação obrigacional (Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho).

3. Cessão de Contrato:
Instituto não previsto no Código Civil, mas que, entretanto, mereceu conhecimento e estudo da doutrina.

n Conceito: diferentemente do que ocorre na cessão de crédito ou débito, neste caso, o cedente transfere a sua própria posição contratual (compreendendo débitos e crédito) a um terceiro (cessionário), que passará a substituí-lo na relação jurídica originária.

n Silvio Venosa: “a cessão de crédito substitui uma das partes na obrigação apenas do lado ativo, e em um único aspecto da relação jurídica, o mesmo ocorrendo pelo lado passivo na assunção de dívida. Todavia, ao transferir uma posição contratual, há um complexo de relações que se transfere: débitos, créditos, acessórios, prestações em favor de terceiros, deveres de abstenção, etc. Na transferência de posição contratual, portanto, há cessões de crédito (ou podem haver) e assunções de dívida, não como parte fulcral no negócio, mas como elemento integrante do próprio contrato”.
SUCESSÃO DE OBRIGAÇÃO
n Com a abertura da sucessão "causa mortis", a herança, o monte, o espólio, representada por todo o conjunto de bens, direitos e obrigações sucessíveis ou transmissíveis, é transferida diretamente do autor da herança, aos seus herdeiros legais e testamentários (Le mort saisit le vif ).

n Esta universalidade de direitos, considerada bem imóvel para efeitos legais, independentemente do tipo de bem que a compõe (art. 80, II, do CC/02), é recebida imediatamente pelos herdeiros, que são os continuadores das relações patrimoniais do falecido.

n O que se distribui, na realidade, não é a herança bruta: é a herança líquida, pois sendo o herdeiro substituto do falecido, seu primeiro dever é pagar os débitos do espólio (arts. 1792 e 1997do CC/02).

n As obrigações de cumprir prestação personalíssima não são transmissíveis, bem como não pode ser objeto de sucessão.
Deveres anexos à prestação e deveres gerais de conduta
Há deveres que excedem do próprio e estrito dever de prestação, especialmente nas obrigações negociais, mas que são com ele necessariamente anexos, unidos ou correlacionados. Larenz denomina-os "deveres de conduta", que resultam do que as partes estipularam, ou do princípio da boa-fé, ou das circunstâncias, ou, finalmente, das exigências do tráfico, que podem afetar a conduta que de qualquer modo esteja em relação com a execução da obrigação. Para ele, esses deveres não podem ser demandados autonomamente, mas sua violação fundamenta obrigação de indenização ou, ante certas circunstâncias, a resolução do negócio jurídico. Esses deveres resultam naturalmente da relação jurídica obrigacional, mas se diferenciam por seu caráter secundário ou complementar do dever primário de adimplemento. Toda obrigação recebe seu caráter distintivo (sua configuração como contrato de locação, de compra e venda, de empreitada) precisamente através do dever primário de adimplemento, mas seu conteúdo total compreende ademais deveres de conduta mais ou menos amplos.


A excelência dessa construção doutrinária, que dilatou os efeitos das obrigações, no sentido da solidariedade social, e da cooperação, com positiva influência na doutrina brasileira, tem duas importantes restrições, delas resultantes:

a) os deveres de conduta seriam imputáveis apenas ao devedor;

b) seriam derivados do dever primário da prestação de adimplemento, neste sentido qualificando-se como secundários, ou complementares, ou acessórios, ou conexos, ou anexos, segundo variada terminologia adotada na doutrina.


n Os princípios são explícitos quando já positivados no ordenamento jurídico, como os referidos no art. 170 da Constituição, para a ordem econômica (justiça social, livre iniciativa, valorização do trabalho humano, função social da propriedade, defesa do consumidor etc.); são implícitos quando são extraídos dos valores consagrados no ordenamento jurídico mercê da interpretação sistemática de seus preceitos. No que respeita ao contrato em geral, o Código Civil de 2002 verteu em princípios normativos explícitos a boa-fé objetiva ou de conduta e a função social e, implicitamente, a equivalência material. Esses princípios engendram deveres gerais de conduta a qualquer obrigação e não apenas aos contratos, pois têm sede constitucional, como desdobramento dos princípios da solidariedade social e da justiça social (arts. 3º, I, e 170 da Constituição), que transformaram profundamente o paradigma individualista do Código Civil anterior.
Dever de boa-fé objetiva nas obrigações
n A boa-fé objetiva é dever de conduta dos indivíduos nas relações jurídicas obrigacionais, especialmente no contrato. Interessam as repercussões de certos comportamentos na confiança que as pessoas normalmente neles depositam. Confia-se no significado comum, usual, objetivo da conduta ou comportamento reconhecível no mundo social. A boa-fé objetiva importa conduta honesta, leal, correta. É a boa-fé de conduta.

n A boa-fé objetiva não é princípio dedutivo, não é argumentação dialética; é medida e diretiva para pesquisa da norma de decisão, da regra a aplicar no caso concreto, sem hipótese normativa pré-constituída, mas que será preenchida com a mediação concretizadora do intérprete-julgador. Cada relação obrigacional exige um juízo de valor extraído do ambiente social, considerados o momento e o lugar em que se realiza; mas esse juízo não é subjetivo, no sentido de se irradiar das convicções morais do intérprete. Como esclarece Larenz, deve ser tomado como módulo o pensamento de um intérprete justo e eqüitativo, isto é, "que a sentença há de ajustar-se à exigências geralmente vigentes da justiça, ao critério refletido na consciência do povo ou no setor social a que se vinculem os participantes (por exemplo, comerciantes, artesãos, agricultores)", desde que observados os valores de fidelidade e confiança.

n Independentemente do alcance da norma codificada, o princípio geral da boa-fé obriga, aos que intervierem em negociações preliminares ou tratativas, o comportamento com diligência e consideração aos interesses da outra parte, respondendo pelo prejuízo que lhes causar. A relação jurídica pré-contratual submete-se à incidência dos deveres gerais de conduta.

n Karl Larenz entende que não apenas procede a indenização do dano em favor da parte que tenha confiado na validade do contrato, mas todo dano que seja conseqüência da infração de um dever de diligência contratual, segundo o estado em que se acharia a outra parte se tivesse sido cumprido o dever de proteção, informação e diligência. Ou seja, na prática, a infração de dever de conduta pré-contratual deve ser regida pelos mesmos princípios da responsabilidade por infração dos deveres de conduta contratual. Nesta última direção, encaminha-se o direito positivo brasileiro, principalmente quanto aos efeitos da informação que antecede. O art. 30 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que toda informação obriga o fornecedor e "integra o contrato que vier a ser celebrado". Portanto, os dados de informação que antecedem o contrato de consumo são partes integrantes deste, independentemente da vontade ou culpa das partes.
Dever de realização da Função Social das obrigações

No Código Civil de 2002 a função social surge relacionada à "liberdade de contratar", como seu limite fundamental. A liberdade de contratar, ou autonomia privada, consistiu na expressão mais aguda do individualismo jurídico, entendida por muitos como o toque de especificidade do direito privado. São dois princípios antagônicos que exigem aplicação harmônica. No Código a função social não é simples limite externo ou negativo mas limite positivo, além de determinação do conteúdo da liberdade de contratar. Esse é o sentido que decorre dos termos "exercida em razão e nos limites da função social do contrato" (art. 421).


O princípio da função social é a mais importante inovação do direito contratual comum brasileiro e, talvez, a de todo o Código Civil. Os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor devem ser interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão. Segundo o modelo do direito constitucional, o contrato deve ser interpretado em conformidade com o princípio da função social.

O princípio da função social do contrato harmoniza-se com a modificação substancial relativa à regra básica de interpretação dos negócios jurídicos introduzida pelo art. 112 do Código Civil de 2002, que abandonou a investigação da intenção subjetiva dos figurantes em favor da declaração objetiva, socialmente aferível, ainda que contrarie aquela.

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