terça-feira, abril 08, 2008

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PATERNIDADE

A PATERNIDADE

1 A origem da paternidade


A antiga família do Direito Romano, constituída pelo matrimônio, tinha como figura principal, o pai, que detinha o cargo de senhor absoluto da família, devendo todos os demais membros, obediência máxima a ele.
Essa autoridade paterna teve como origem na religião. Foi ela, e depois a lei, que elegeu o pai como o representante familiar, conferindo a ele um poder supremo e incondicional sobre sua família[1].
Naquela época, utilizava-se das palavras gânitar, ghennetér, genitor, para designar a figura do pai, e não o vocábulo pater[2], como, atualmente é utilizado.
O pai era visto como um ser soberano, e, portanto, suas decisões nunca eram contestadas. Numa relação entre pai e filho, não havia amor e amizade, mas apenas obediência e respeito.
Para se ter uma idéia do poder do genitor, a religião concedia a ele o direito de reconhecer ou rejeitar o filho ao nascer. Havia duas espécies de estabelecimento da filiação: a biológica e o religioso. Esse claro, de maior relevância, pois o filho ainda que fosse biológico não representaria nada para o pai se não estivesse vinculado à religião doméstica.
Porém, apesar de toda essa autoridade que a figura paterna detinha, a religião colocava limites e exigia obrigações, como não realizar qualquer ato que pudesse prejudicar a perpetuação da família ou que ameaçasse algumas das crenças.
Por muitos anos, se sustentou a família patriarcal, em que a autoridade paterna sempre se sobressaia à própria figura do pai. Mas, felizmente, por mudanças sociais, a bem pouco tempo, esse domínio incontestável acabou, e após o advento da Constituição Federal de 1988 a mulher e o homem passaram a ter os mesmo direitos e obrigações, não sendo mais admitida a desigualdade entre ambos.
Os filhos também deixaram de ser propriedade do pai, e passaram a ser constitucionalmente protegidos, nascendo assim, um novo modelo de família, baseada no amor, solidariedade e respeito entre os seus membros.


2. Paternidade biológica


Ao analisarmos os critérios determinantes da relação de paternidade/filiação, encontraremos três verdades: a verdade legal (ficção jurídica), a verdade socioafetiva e a verdade biológica.
Esta última trata-se da paternidade biológica, que é aquela em que a relação de filiação entre o pai e o filho é estabelecida pela consangüinidade, ou seja, o filho é aquele que detém os genes do pai.
No início do século XX, como já analisado, o matrimônio era o único modo de constituição da família legítima, fundada no princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial.
Ao Estado interessava apenas a família organizada, constituída pelo pai, mãe e filhos, o indivíduo, por sua vez, era colocado em um plano inferior.
Assim, em nome da indispensável estabilidade jurídica e para a harmonia e solidez da família criou-se uma regra para o estabelecimento da paternidade.
O Código Civil de 1916, nos artigos 337 e 338, entendia como filiação legítima, aquela havida na constância do matrimônio eficaz. Presumia-se pai, o esposo da mulher casada, dessa forma, havendo um casamento, os filhos tidos na constância deste reputava-se ao marido. É a chamada presunção pater is est quem nuptiam demonstran.
Tal presunção era passível de contestação, entretanto, o suposto pai detinha de um prazo extremamente exíguo, de dois meses, entre presentes, ou de três meses, entre ausentes e as hipóteses de cabimento eram restritas, o que dificultava ainda mais a propositura da ação.
Porém, essa restrição à impugnação da paternidade pelo legislador, tinha como escopo proteger a família, uma vez que, a ciência não possuía melhor solução para oferecer em substituição.
Assim, considerando que a família era colocada sempre em primeiro lugar, por muitas vezes, a realidade biológica não era idêntica à realidade jurídica, imposta pela lei, ou seja, o pai configurado no registro de nascimento não era, realmente, aquele que havia concebido a criança. E mesmo conhecendo-se a verdade biológica, a paternidade não podia ser estabelecida em relação ao terceiro, a fim de não ser maculada a honra familiar.
Verificamos, portanto, que naquela época a verdade legal era mais importante que a verdade biológica, e sobre essa prevalecia, pois, com o critério adotado pelo legislador, a família deveria ser sempre respeitada, conservada e protegida, mesmo que para isso fosse necessário ignorar a realidade dos fatos.
A respeito disso, o autor Luiz Edson Fachin expõe o seguinte:

A lei civil, desse modo, relegava a ‘verdade biológica’, bem como a afetiva, a um segundo plano, prevalecendo o interesse na preservação de outros valores. Assim, conforme já escrevemos: ‘a paternidade jurídica distancia-se da sua base biológica para atender outros interesses em defesa da própria família, colocados pelo legislador num plano superior ao do conhecimento da verdade biológica. (2003, p. 14).


Com a aplicação da regra pater is est, observamos que a consangüinidade é colocada em segundo plano, o que demonstra que o vínculo biológico não é de primordial importância na atribuição da paternidade.
Até porque, antes da Constituição federal de 1988, os filhos havidos fora do casamento, além de serem considerados ilegítimos não podiam ter sua paternidade estabelecida, ainda que, o pai biológico soubesse da verdade. Assim, a presunção legal era mantida, mesmo estando de todo apartada da realidade biológica.
O estabelecimento da paternidade pelos laços de sangue sempre foi a de maior prevalência, desde as origens das relações de parentesco.
Entretanto, atualmente, mesmo com os avanços científicos que nos facilita o reconhecimento da filiação, através dos exames de DNA, constatamos que tais evoluções incidem em grave erro ao limitar a paternidade apenas aos laços biológicos desprovidos de quaisquer emoções e sensações.
A relação entre pais e filhos não pode se resumir a apenas dados genéticos, isso porque, é visto como pai, aquele que cria, educa e ama o seu filho e não aquele que, simplesmente, o concebe.
Nessa linha de entendimento, Maria Cláudia Crespo Brauner citada por Leila Donizetti:

Nem sempre aquele que gera se interessa por sua descendência e há de aceitar-se que muitos pais e mães genéticos prefeririam que seu filho não tivesse sido gerado, e podem passar de uma atitude de negação de existência do filho ao completo desprezo pelo seu destino, principalmente, quando o vínculo formal de filiação foi estabelecido de forma forçada, através de uma ação de investigação de paternidade. (2007, p.36).


Portanto, o critério da filiação biológica não é mais suficiente para determinar a paternidade, uma vez que nos dias atuais, a verdade biológica não se sobrepõe mais às relações afetivas, pois ela não consegue substituir a convivência necessária para a construção permanente dos laços afetivos.
A filiação vista nesse enfoque, passa a assumir nova feição diferenciada daquela oriunda do critério jurídico e/ou biológico.

3 Paternidade sócioafetiva


Com a mudança dos tempos, estamos diante de uma nova era onde é imprescindível a redefinição de conceitos que deverão ser construídos sob um novo paradigma à luz do texto constitucional.
A respeito dessas transformações podemos citar o novo conceito de paternidade baseado na ótica do amor, do respeito e da solidariedade.
Antes da descoberta dos exames de DNA, a presunção de paternidade implicava na presunção a pater is est quem nuptiam demonstram, ou seja, era visto como pai, o marido da mulher casada. Tratava-se da presunção legal de paternidade.
Entretanto, a tecnologia evoluiu, permitindo identificar o liame biológico estabelecido entre pai e filho por meio da leitura da seqüência do DNA, com 99,9% de probabilidade de acerto.
Por meio desse avanço criou-se mais uma espécie de paternidade, a denominada biológica.
Com o exame de DNA, pôde-se supor que os problemas relativos à investigação de paternidade tivessem sido resolvidos. Entretanto, felizmente, a sociedade continuou evoluindo e o vínculo biológico que liga o pai a seu filho deixou de ser suficiente e imprescindível para a maioria das pessoas.
Modernamente, já não é mais possível focar a paternidade apenas como um dado ou algo determinado por meio da investigação da descendência genética ou por aplicação de presunção extraída dos textos legais. É necessário ir além e assimilar que a paternidade também deve ser construída com base no afeto, surgindo dessa forma, uma nova espécie de paternidade, a socioafetiva.
A paternidade biológica tornou-se insuficiente porque, por muitas vezes, pais e filhos não possuem um liame biológico, mas possuem um vínculo de afeto, de amor e de cumplicidade, que visivelmente se sobrepõe a essa verdade biológica.
Assim, atualmente, a figura do pai biológico deixou de ser de suma importância, pois, o verdadeiro pai é aquele que cuida, protege, alimenta, educa, que participa intensamente do crescimento físico, intelectual e moral do seu filho, dando-lhe o suporte necessário para que se desenvolva como ser humano.
Segue essa linha de entendimento a ilustre autora Juliane Fernandes Queiroz:

A relação paterno-filial não se explica apenas na descendência genética, mas sim e preponderantemente, na relação socioafetiva, a qual supre o indivíduo em suas necessidades elementares de alimentação, lazer, educação, sem desconsiderar o afeto e o amor. No mundo moderno, não se pode, portanto, prescindir de um outro pilar que sustenta a paternidade: o socioafetiva. (2001, P.49).


A jurisprudência também vem prestigiando a paternidade socioafetiva em detrimento da biológica, a respeito disso, vem julgando da seguinte forma: o pai que registra menor como sendo seu filho, não pode depois de anos de convivência querer desfazer essa relação com uma ação negatória de paternidade.
Assim julgou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. REGISTRO CIVIL. VÍCIO DE VONTADE NÃO-DEMONSTRADO. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. 1. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB). 2. A anulação do registro, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude). 3. Não é possível desconstituir o liame parental quando indemonstrada a inexistência do liame biológico, pois ocorreu a revelia, sem a efetivação de exame de DNA. 3. Além disso, se o autor, depois de reconhecer o filho, casou com a sua mãe e acolheu o réu como filho, exercendo a figura de pai ao longo de mais de quinze anos, mesmo após a separação do casal, resta inequívoca também a situação de paternidade socioafetiva, não podendo pretender a desconstituição do vínculo parental. Recurso desprovido. (Apelação Cível n° 70021795661, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Fernando de Vasconcelos Chaves, Julgado em 13/12/07).


NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. DESCABIMENTO. 1. Se o autor era casado com a mãe do menor e o acolheu como filho, quando poderia presumir a inexistência do liame biológico, em virtude de separações e reconciliações, e sempre manteve com ele estreito relacionamento, ao longo de nove anos, ficou evidenciada a situação de paternidade socioafetiva, não podendo pretender a desconstituição do vínculo parental. 2. A alteração do registro, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude), o que não restou comprovado nos autos. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70020316832, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26/09/2007).


Portanto, atento a essa questão, os nossos Tribunais vem cada vez mais aderindo a paternidade socioafetiva, entendendo que no confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada “adoção à brasileira” (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por muitos anos, há de prevalecer à solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, podemos concluir que na paternidade socioafetiva, pai não é apenas aquele ligado por um laço biológico. Pai é muito mais, é aquele ligado pelos intensos e inesgotáveis laços de afeto.


4 A função do pai na vida dos filhos


Há alguns anos atrás, na época da família patriarcal, o pai, em princípio, servia apenas para cuidar dos interesses patrimoniais da família, para dar continuidade ao seu próprio nome e também à continuidade genética de seus ascendentes.
Atualmente, ser pai representa muito mais do que simplesmente ter um filho para herdar o seu nome.
Felizmente, a sociedade mudou e hoje a família é vista como um ponto primordial na vida de todos. Pai e mãe, principalmente, são figuras essenciais que exercem sobre seus filhos funções materiais, simbólicas e psíquicas distintas e que devem ser preservadas.
A criança, nos primeiros anos de vida, segundo os estudos da psicologia, vive uma situação quase simbiótica com a mãe; precisa dela para ter um desenvolvimento físico, mas, sobretudo psíquico saudável! É a mãe que o leva dentro de si, que lhe dá a luz, o amamenta, que o açude e lhe ensina uma coisa que não é banal: lhe ensina o que é ser amado e, como conseqüência, o ensina no futuro a dar e receber amor.
O pai, nessa fase não é igualmente relevante, contudo, ele se torna indispensável no momento em que é necessário interromper essa fusão entre mãe e filho, para introduzi-los de maneira diferente no mundo e na vida social.
A figura paterna é sem dúvida fundamental para o desenvolvimento físico e psíquico da criança. Entretanto, foi a pouco tempo que começou a dar importância a ela. No início da vida, por uma questão cultural advinda da ideologia patriarcal, a relação do pai com seu filho, era marcada, por uma ausência no aspecto afetivo, assim considerada em relação à mãe.
Mas com a revolução feminista, os homens começaram a ter uma participação mais afetiva na vida das crianças. Hoje, o pai não serve apenas para dar o seu nome ao filho, a sua função mudou e passou a ser muito mais colaborativa e participativa.
Atualmente, as estatísticas apontam que a família igualitária, isto é, aquelas de classe média ou alta que rejeitam a cultura masculina tradicional traçaram um perfil do novo pai. Esse não quer mais cometer os mesmo erros do passado, não quer que seus filhos tenham um pai frio e distante, como eles tiveram na infância. Dessa forma, nos dia de hoje, é normal o pai dividir com a mãe os cuidados com as crianças e os afazeres domésticos.
Independentemente da posição sócio-econômica da família, sempre será obrigação dos pais o cuidado material e afetivo dos filhos. É fundamental a compreensão a respeito da importância e da possibilidade de se levar aos filhos o afeto e a devida atenção para com as coisas relevantes para eles jovens, coisas essas que variam com a idade, com o sexo e com a condição sócio-econômica da criança e do adolescente, mas que tem em comum o conceito central de atenção e de afeto.
Importante frisarmos que está constatado que a paternidade, em si mesma, não é um fato da natureza, mas um fato cultural, ou seja, a qualidade de pai não decorre exclusivamente, dos laços consangüíneos. Isso porque pode o genitor não assumir todos ou mesmo nenhum dos encargos atribuídos pela função paterna.
Portanto, a figura paterna é desvinculada da pessoa do pai biológico. O pai se torna pai quando age como tal, e não simplesmente, quando possui um vinculo genético com o seu filho. Essa condição, nos dias de hoje, é insuficiente, uma vez que a relação paterno- filial não se resume apenas na descendência genética, mas sim, e preponderantemente, na relação socioafetiva, a qual supre o indivíduo em suas necessidades elementares de educação, lazer e alimentação, sem desconsiderar o afeto e o amor.
É evidente que, o mesmo pode acontecer com a figura materna, em que nem sempre a mãe que educa e sustenta é necessariamente a biológica.
Trata-se de direito fundamental da criança e do adolescente de ser criado e educado no seio de sua família com amor e respeito, cabendo aos pais essa função. Entretanto, caso os genitores não tenham essa capacidade, nada impede que a criança e/ou adolescente seja entregue a uma família substituta, a qual poderá proporcionar-lhe essa proteção especial.
Atualmente, é cada vez mais comum em nossos Tribunais, afastarem os pais biológicos de seus filhos por maus tratos. Nessas situações o interesse da criança que está em jogo prevalece sobre o vínculo genético; o menor é recolocado em uma família substituta, a fim de que esta melhor estruturada possa lhe oferecer condições saudáveis para o seu desenvolvimento.
Portanto, pai não é aquele que gera o filho, mas aquele que verdadeiramente, exerce a função paterna.
Mas para que serve o pai? Qual o seu papel na vida dos filhos? Podemos dizer que pai serve para dar continuidade à espécie, serve para transmitir os valores culturais relevantes ao grupo social onde se insere a família, serve para dar continuidade ao nome, para pagar as contas, mas, além disso, tudo (que é o básico) serve mesmo é para participar decisivamente da formação do jovem, para ajudar de modo relevante na sua realização pessoal, para transmitir o que sabe, para dar bons exemplos de conduta, para contribuir para a felicidade do jovem, para dizer não quando for o caso, para apoiar o jovem nos seus conflitos com a vida.
Em suma, o pai serve para ajudar os filhos a serem pessoas seguras de si, bem informadas, e saudáveis. E como já dito, esse pai, não é necessariamente o pai-genitor, mas aquele que empresta o seu nome para interferir e interditar a simbiótica relação mãe-filho. Ele é o outro que possibilita ao filho o acesso à cultura.


5 A desbiologização da paternidade


O termo “desbiologização” foi criado pelo autor João Baptista Vilela, quando escreveu o artigo “Desbiologização da Paternidade”, em 1979. Apesar do tempo, o termo permanece atual, pois é utilizado para denominar a relação entre pais e filhos que se amam e respeitam verdadeiramente, mas que estão ligados pelo elo da convivência e não o da consangüinidade.
Diante das inúmeras transformações ocorridas na sociedade, a figura da paternidade passou a ser vista de maneira diferente, valorizando o amor e desconsiderando, por muitas vezes, a realidade genética.
Atualmente, é considerado pai, aquele que exerce essa função e não aquele que apenas empresta seu material genético. Daí a importância do ordenamento jurídico se reestruturar, a fim de impelir outro contorno às relações de filiação.
Com a descoberta do DNA, como já ressaltado, teve-se uma nítida impressão de que qualquer problema paterno-filial se resolveria. Assim, havendo dúvidas quanto a paternidade, bastava fazer o exame de DNA, que tudo era esclarecido. A prova pericial médica era cabal e definitiva.
No entanto, tudo não passou de uma ilusão. Após o delírio, com o exame de DNA, identificador do liame biológico a sociedade enxergou um novo conceito de paternidade baseado no afeto e na convivência e não apenas no vínculo genético. Daí o termo desbiologização.
Além disso, a sociedade descobriu que, até pode compelir um pai a cumprir com seus deveres de prestação alimentícia, utilizando-se da prisão civil, mas não pode obrigá-lo a dar amor e atenção a um filho que não deseja.
Diante dessa realidade, a função paterna tornou-se cada vez mais presente, uma vez que é visto como pai aquele que exerce o seu papel.
Ainda com relação à percepção do fenômeno da desbiologização, é preciso ressaltar que “desbiologizar” a paternidade pressupõe o exercício da autonomia privada e, conseqüentemente, a adesão ao princípio da paternidade responsável, que deverá ser exercido independente da existência do liame biológico.
É em conformidade com esse contexto que devemos ressaltar o instituto da posse de estado de filho, que é uma das hipóteses da paternidade responsável, pois o pai se torna pai porque quer, e não simplesmente porque é obrigado. A relação nesse caso baseia-se no amor e na cumplicidade.
É lastimável que após tantas transformações no direito de família, o nosso ordenamento jurídico ainda não tenha previsto a relação socioafetiva.
Entretanto, podemos dizer que ela não é totalmente estranha ao ordenamento jurídico. No artigo 1.593 do Código Civil prevê que o “parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem”. Esse termo “outra origem”, diz respeito à filiação afetiva, ou seja, a filiação da posse de estado de filho que também constitui modalidade de parentesco civil.
No mundo atual, em que os avanços da biotecnologia é cada vez maior, por muitas vezes, a verdade genética não trará benefícios a criança.
Por mais que se pretenda apurar a veracidade dos fatos, não haverá meios de neutralizar os efeitos trazidos para o menor. Por essa razão é importante que se tutele o interesse da criança.
Maria Cláudia Crespo Brauner faz a seguinte constatação:

Numa sociedade onde tantas crianças são privadas de pai, não se pode correr o risco de contribuir-se para aumentar estes índices de rejeição por questões egoístas e de cunho individualista, que podem dar origem a uma situação de insegurança jurídica para as pessoas que se beneficiavam de uma posse de estado de filho, corroborada pela existência de um título, conforme esse estado.(ano, pg)


Nos dias de hoje, não há mais lugar para sentenças que confiram uma paternidade fulcrada em apenas um elemento. Vários contornos devem ser analisados, como por exemplo, o maior interesse da criança. Esse deverá sempre prevalecer sobre os avanços biológicos, caso contrário, permitirá que a descoberta da falsidade biológica fomente no pai-afetivo sentimentos paradoxais em relação ao filho. Ter-se-á, assim, o risco de retroceder à época em que o ordenamento jurídico fazia distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
Portanto, em suma, não há mais como remeter a paternidade aquele que apenas esteja ligado ao seu filho pela biologia, pois esse é um conceito arcaico do “ser pai”.


6 Os direitos do pai não biológico com relação ao filho afetivo


Por tudo que já foi dito até o presente momento, não há mais dúvidas de que o elo biológico que liga um pai a um filho já não é mais suficiente.
Atualmente, é considerado pai aquele que tem uma relação de amor com seu filho, independentemente, de haver o vínculo biológico.
Diante dessa constatação, é preciso estabelecer os direitos e deveres que o pai afetivo tem sobre o filho.
Em nosso ordenamento jurídico não há nenhum artigo que confira ao pai afetivo o direito de visita.
Dessa forma, como é que fica a sua situação na hipótese dos pais romperem a vida conjugal?
Sem dúvida é um assunto bastante divergente, uma vez que não há respaldo na lei. Entretanto, alguns doutrinadores entendem que o pai afetivo, tem o direito de visita, pois deve sempre buscar o bem estar do menor.
Assim, após o rompimento conjugal, o pai não-biológico fará jus ao direito de visitação ao filho de sua ex-parceira, mesmo que não possua qualquer vinculação formal de paternidade com eles.
Nesse contexto, o ilustre autor Paulo Cotrim Guimarães expõe alguns elementos que despontam como nucleares para a possibilidade deste direito de visitação:


a) A existência de um vínculo afetivo desenvolvido entre a criança e o interessado; b) o assentimento da criança, quando ultrapassada a tenra idade; c) a inexistência de vínculo biológico entre o interessado e o menor; d) a demonstração de que o rompimento do contato implicaria em transtornos ao menor. (2000, p. 100).


Presentes todos esses elementos, não há dúvida de que o afastamento do pai afetivo implicará em grandes transtornos à formação da personalidade da criança. Dessa forma, nada melhor deixá-los compartilhar o amor que sentem um pelo outro.
Mas além dos direitos há os deveres que o pai afetivo também deve cumprir. Estamos falando da obrigação de prestar alimentos.
Pela nossa legislação essa obrigação é imposta ao pai biológico. Entretanto, através de uma interpretação sistemática, ela deve abranger o pai afetivo.
Assim, presentes todos os elementos que caracterizam o estado de filho afetivo, tais como: nominatio, tractatus e fama, têm o pai não-biológico o dever de pagar alimentos a criança.Até porque, na busca pelo maior interesse do menor, essa é a melhor solução e sem dúvida a mais justa.
[1] Após a religião ter concedido ao pai o poder supremo e absoluto, as leis grega e romana também o reconheceram como o chefe da família, que detinha de um poder ilimitado. Podemos verificar isso na Lei das XII tábuas, em sua tábua quarta:
DO PÁTRIO PODER E DO CASAMENTO:
1. É permitido ao pai matar o filho que nasce disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos;
2. O pai terá sobre o filho nascidos de casamento legítimo o direito de vida e de morte e o poder de vendê-los;
3. Se o pai vendeu o filho 3 vezes, que esse filho não recaia mais sob o poder paterno;
4. Se um filho póstumo nasceu do décimo mês após a dissolução do matrimônio, que esse filho seja reputado legítimo.

[2] A palavra pater, naquela época, era utilizada restritamente, quando se invocava um poder, uma autoridade, uma dignidade majestosa.