terça-feira, março 25, 2008

ARTIGO SOBRE LESÃO

AFINAL DE CONTAS, O QUANTO É LESÃO?

Adauto de Almeida Tomaszewski

RESUMO: O atual Código Civil inseriu no ordenamento jurídico brasileiro, por intermédio do artigo 157, a lesão como causa de anulação de um ato ou negócio jurídico. Entretanto, propositalmente o referido Código não estabelece parâmetros para que o julgador possa declarar em um caso concreto se efetivamente ocorreu ou não tal fato. Assim, sem a pretensão de esgotar o assunto, este artigo apenas se dedica a considerações que possam servir de subsídios ou parâmetros para que os operadores do Direito possam utilizar em seu trabalho diário.
PALAVRAS-CHAVE: lesão; interpretação; parâmetros; subsídios.

1. Introdução
Mesmo após trinta meses desde o advento do atual Código Civil, muitas de suas normas ainda são motivo de dúvidas e controvérsias por grande parte dos operadores do Direito.
Dadas as limitações pessoais e como o presente veículo também não comporta uma grande abordagem que pudesse exaurir este assunto, a opção foi fazer uma pontual análise acerca da lesão, explicitada no artigo 157 do aludido documento legal e que tem a seguinte disposição:
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga à prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§1º. Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§2º. Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Feitas estas observações preambulares e necessárias, podemos afirmar que se entende a lesão como um prejuízo imposto a um dos contratantes em um contrato comutativo, por não receber do outro pólo da relação jurídica obrigacional contratual, um valor que seja equivalente ao da prestação por si oferecida ou prestada.
Dentro desta perspectiva, podemos acrescer que esta desproporção advém da necessidade premente de uma das partes da relação contratual em alienar determinado bem ou prestar determinada obrigação, que em regra é motivada por dificuldade econômica. A lei ainda faz previsão de que esta situação de descompasso ou flagrante desigualdade entre a prestação e contra-prestação possa ocorrer por falta de experiência na vida negocial e que conduz ao implícito desequilíbrio contratual.
Uma leitura, ainda que superficial no aludido artigo, nos conclama à idéia de que a desproporção verificada entre a prestação e o valor por ela percebido deve ser manifesta. Difícil tarefa é traçar os contornos desta expressão.
Para uma melhor compreensão acerca dos aspectos preliminares desta abordagem, devemos remeter o leitor e aclarar as noções inseridas a partir da Teoria Geral das Obrigações, que determina as partes de uma relação jurídica obrigacional: credor e devedor, respectivamente pólos ativo e passivo.
Cada qual destas partes, que podem ser pessoas jurídicas ou físicas, representados ou assistidos, entabulam obrigações de dar, fazer, não fazer ou restituir, nos moldes dos artigos 233 e seguintes do mesmo Diploma Legal.
Não obstante as regras que tratam do negócio jurídico estejam alinhadas a partir do artigo 104 do Código Civil, é a partir do estudo da teoria obrigacional que mais claramente se visualiza o conteúdo da relação jurídica e de sob certa ótica, até mesmo de suas patologias.
Superadas estas noções que não serão aqui estudadas de forma minuciosa, dado que a proposta é outra, forma-se o contrato, que regra geral exige uma prestação seguida de contra-prestação. Por esta regra geral, o credor de uma relação obrigacional espera que o devedor cumpra sua prestação. Após isto, torna-se credor do pagamento, que em sintonia com o artigo estudado deve ao menos ser equivalente.
Como o objeto de estudo foi localizado pelo legislador no capítulo que trata dos defeitos do negócio ou do ato jurídico, então este deve ser tratado como um vício na formação da declaração de vontade de um dos celebrantes. Contudo isto conduz a uma outra questão: mencionada que foi a inexperiência, então como devemos interpretá-la ante o princípio da autonomia da vontade?
Aparentemente, a cada dia que vivemos a nossa autonomia parece mais e mais encontrar limites.
Agora, a inexperiência faz com que o desconhecimento seja motivo suficiente para se desconstituir uma relação contratual se seguindo-se a esta verificar-se a manifesta desproporção entre as prestações a que se obrigam devedor e credor.
Por acaso alguém se lembra com nostalgia daquele tempo em que ninguém se escusava do cumprimento da lei alegando seu desconhecimento, dado o princípio de que a publicidade emprestada a esta impunha seu conhecimento? Não era bem verdade que se estendia esta noção à relação jurídica contratual privatista civilista em favor da segurança das relações? Não era escrito pela doutrina que o contrato fazia lei entre as partes? Já se vai muito longe no tempo a época em que o pacta sunt servanda apresentava todos os seus rigores.
É certo que a autonomia da vontade e o dirigismo contratual foram muito discutidos no passado em nome de diversas relações obrigacionais, digamos peculiares. A este particular podemos citar os contratos de trabalho, que receberam um documento e princípios próprios, as relações consumeristas, inspiradas que foram no Direito do Trabalho, as relações contratuais decorrentes de contratos de adesão e outros mais que não serão ofendidos se não forem mencionados.
O fato é que o legislador civilista, historicamente anunciou que algumas pessoas deveriam ficar fora das relações jurídicas privatistas civilistas: aquelas que desde as primeiras normas do Código Civil não detinham capacidade civil.
Assim, à época do liberalismo movido pelos ideais franceses a capacidade implicava em um discernimento tal que o indivíduo poderia se situar em uma relação obrigacional e determinar-se de acordo com o que lhe fosse prejudicial ou benéfico.
Como se pode perceber, na atualidade, o mesmo legislador que acreditou ser possível antecipar o advento da maioridade para 18 anos ao invés dos 21 antes previstos e alinhar outras hipóteses de cessação de incapacidade para os menores, também possibilita ao “inexperiente” anular negócio jurídico que entabulou. Negócio este marcado ainda por uma desproporção entre as prestações, de forma que tenha se obrigado a pagar muito mais ou receber muito menos do que o efetivo valor do bem ou da prestação.
De qualquer sorte, estas ponderações não se constituem no principal alvo das considerações que serão aqui tecidas. É que ao que parece, o núcleo temático do artigo em análise é um locupletamento ou enriquecimento sem causa de uma das partes em detrimento da outra parte contratante que, como afirmado, ou receberá um valor abaixo dos valores vigentes ao tempo da celebração do negócio, ou será obrigado a pagar um abusivo valor.
A leitura do parágrafo segundo completa este raciocínio ao mencionar o oferecimento de suplemento. Certamente com o propósito de equilíbrio de uma relação cujo preço fora pactuado muito abaixo do valor de mercado, ou ainda a redução do proveito para diminuir o valor do crédito ou devolver parte do ajustado.
Como o objetivo específico é a análise do que seja a lesão e o possível quantum, questões periféricas como as justificativas, conceitos e limites do que se entende por premente necessidade, inexperiência, ou o motivo que justifique porque se explicitou uma pessoa, ainda que implícitas neste artigo 157 não serão aqui discutidas devido ao fato de que as respostas se encontram nos temas “Cláusula Geral e Conceitos Legais Indeterminados” de que tanto se ocupou a doutrina pátria.
Assim, uma pequena digressão histórica, com alusão ao Direito Romano, que iluminou o Código Civil francês, também inspirador de nosso ordenamento se faz necessária.

2. Um breve esboço histórico da lesão.
Na Grécia, Aristóteles opinou que era justo e eqüitativo que um jovem espartano que adquiriu um certo bem a preço vil fosse por isto mutilado. Assim ocorrendo o Estado além de castigar o adquirente, corrigiria um fato ofensivo à justiça comutativa, cuja regra consistia em devolver aquilo que havia recebido sem a devida proporção de prestação e contra-prestação.
Os romanos não desconheceram o instituto da Lesão, que se aplicava de forma objetiva por intermédio da Lex secunda, Livro IV, Título XLIV, 2, do ano 285 da era Cristã, promulgada que foi por Diocleciano. Por intermédio desta Lei se autorizava desconstituir o contrato de compra e venda quando o adquirente houvesse pago menos do que a metade do preço verdadeiro.
O Código de Justiniano também estabelecia que a lesão ocorria quando o bem imóvel fosse negociado por valor inferior a metade do valor real, ocorrendo o que se denominou de lesão enorme (laesio enormis)
O profícuo período Justinianeu fez constar o instituto da lesão em seu Código, mas em princípio essa não era uma causa de nulidade de atos jurídicos. Somente então por exceção, quando ocorresse a chamada lesão enorme, era que se verificava a rescisão dos acordos de vontade.
Após o período clássico do Direito Romano consagrou-se uma modalidade de rescisão do negócio jurídico de venda e compra quando uma pessoa tivesse alienado um bem por preço que não atingisse ao menos a metade do estimado valor. Desta forma, naqueles casos em que o contrato ainda não havia sido executado e o comprador demandava pela entrega da coisa, autorizava-se que o vendedor promovesse sua defesa, uma exceção, e com fundamento na lesão se desconstituísse o contrato. Demais disto o devedor também poderia valer-se deste instituto para, quando houvesse cumprido o pacto, requerer sua desconstituição e retornar ao status quo ante por intermédio da actio venditi.
A gênese desta modalidade de rescisão de atos e negócios jurídicos ocorreu por motivos de eqüidade. Entretanto, isto ocorreria desde que fosse presumível que a pessoa teria alienado objeto seu por preço inferior àquele estimado como real ou verdadeiro e que o motivo desta alienação fosse um estado de necessidade. Mesmo àquela época já se pensava que a lei não poderia ser alheia a este estado de coisas e possibilitasse se fazer desaparecer os efeitos de tais negócios.
Bastava que a venda tivesse ocorrido por preço inferior à metade e mesmo sem a exigência de dolo o negócio poderia ser rescindido. Ressalvava-se a hipótese de que o requerido evitasse declaração do juízo neste sentido ao se oferecer a pagar a diferença do preço correspondente.
Por intermédio desta ação de rescisão o adquirente e inclusive seus herdeiros estavam obrigados a restituir o bem objeto do negócio acrescido de todos os eventuais acessórios. Reservava-se todavia, ao adquirente, requerido na ação, a prerrogativa de exigir o recebimento de eventuais despesas para a conservação da coisa.
Influenciado pela doutrina de São Tomás de Aquino o Direito Canônico deu ênfase à questão da lesão como um caminho para se evitar a usura.
Como na Idade Média o Código Teodosiano não fez expressa previsão acerca da lesão, coube aos glosadores a tarefa de inserir a idéia subjetiva de que se uma alienação se desse por menos da metade do preço justo, isto conduziria à idéia de que teria ocorrido fraude por uma das partes do negócio.
É fato que os três primeiros projetos do Código Civil francês deixaram de fazer previsão acerca da lesão. Foi somente a partir do quarto projeto, com a interferência de Napoleão que se admitiu considerações a lesão, quando em uma relação de compra e venda ocorresse a mencionada desproporção em torno de sete doze avos do preço que se considerasse justo.
Muitos Códigos do mundo deixaram peremptoriamente de fazer referência à lesão em quaisquer de suas expressões. É bem verdade que algumas legislações, a seu termo, fizeram menção acerca deste defeito como motivo de relativa nulidade. Algumas destas disposições serão explicitadas adiante, motivo pelo qual não serão objeto de análise por enquanto.
Nosso ordenamento não a explicitou de pronto. Foi apenas com o advento da Lei 1.521/51 (Lei de Economia Popular), mais precisamente no artigo 4º., que, desta maneira se textualizou seu conteúdo:
Art. 4º Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito;
b) obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.(sem destaques no original)
Pena: detenção de seis meses a dois anos e multa de cinco mil a vinte mil cruzeiros.
§ 1º Nas mesmas penas incorrerão os procuradores, mandatário ou mediadores que intervierem na operação usurária, bem como os cessionários de crédito usurário que ciente de sua natureza ilícita, o fizerem valer em sucessiva transmissão ou execução judicial.
§ 2º São circunstâncias agravantes do crime de usura:
I) ser cometido em época de grave crise econômica;
II) ocasionar grave dano individual;
III) dissimular-se a natureza usurária do contrato;
IV) quando cometido;
a) por militar, funcionário público, ministro de culto religioso; por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima;
b) em detrimento de operário ou de Agricultor; de menor de 18 anos ou de deficiente mental, interditado ou não.
§ 3º A estipulação de juros ou lucros usurários será nula, devendo o Juiz ajustá-los à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição da quantia paga em excesso, com os juros legais a contar da data do pagamento indevido.
Praticamente após quatro décadas, surgiu o Código de Defesa do Consumidor que, no intuito de combater a desigualdade entre os adquirentes de bens de consumo e os fornecedores de produtos e serviços a inclui nos artigos 6º. inciso V, 39 inciso V, 51 inciso IV e parágrafo 1º, inciso III. Assim, respectivamente alinham-se as normas:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
...
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
...
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
...
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
...
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Dadas estas regras, acrescidas do artigo 157 do Código Civil brasileiro e da doutrina a este correspondente, foi possível, após um pequeno trabalho de pesquisa, encontrar uma manifestação do judiciário que justificasse algumas considerações anteriormente tecidas e servisse de ponto de partida para outra discussão que busca encontrar um parâmetro para a questão.

4. Um julgado interessante.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pelo Desembargador Vicente Barroco de Vasconcellos, negou provimento à Apelação Cível n.° 70010953636 sob a alegação de que:
“... No que se refere à alegada lesão enorme que teria sofrido a embargante, ora apelante/apelada, que ensejaria a total nulidade do contrato entabulado entre as partes, tenho que não merece prosperar o inconformismo, pois impossível tal entendimento, tendo em vista que a empresa embargante, ora apelante/apelada, inclusive corroborada pelas palavras da testemunha Carla Proença (fl. 253), arrolada pela embargante, ora apelante/apelada, teve tempo para convocar reunião entre os acionistas e deliberar sobre o contrato e os valores dos honorários que estavam sendo estabelecidos por seus procuradores, de modo que impossível a caracterização, na espécie, da figura da lesão, expressa pelo art. 157 do novo Código Civil, pois, embora se possa entender que o valor da prestação contratada seja manifestamente desproporcional ao valor da contraprestação, inviável se mostra o reconhecimento da premente necessidade no caso concreto, o que faz ruir o argumento de nulidade do contrato, em face da lesão experimentada. Portanto, não merece prosperar o apelo nesse aspecto. ...”. (sem destaques no original)
Verifica-se com isso que o Tribunal do Rio Grande do Sul, utilizou para caracterizar a lesão, um dos requisitos básicos, qual seja, o subjetivo, imaterial ou anímico, pois a premente necessidade caracterizará uma extrema situação a impor a um dos contratantes a inevitável celebração do negócio a si prejudicial.
Esta premência de que trata a lei, não se relaciona as condições ou aspectos econômicos da parte contratante ou contratada, mas sim à sua necessidade de contratar.
Veja-se que não obstante o principal aspecto da lesão ser exatamente a presunção legal de que a parte adversa da relação processual que se origina a partir do pleito de anulação - e portanto beneficiada no negócio inquinado de vício - tenha abusado da situação e inclusive violado o superior princípio da boa-fé objetiva, este aspecto não foi nem de longe tangenciado.
Assim, penso ser essencial a lembrança e textualização do artigo 422 do vigente Código:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Superada mais esta etapa, passemos de pronto ao aspecto primordial do objetivo deste pequeno trabalho: a consideração acerca do quantum que o direito alienígena e a sua doutrina anotaram a respeito da lesão.

4. Afinal de contas, o quanto é lesão?
Se levássemos em consideração o conteúdo do artigo 4º. da Lei 1.521/51 (Lei de Economia Popular), deveríamos sugerir ao julgador que no momento de apreciar a argüição de lesão em um dado caso concreto, que verificasse se a outra parte da relação jurídica negocial teria abusado da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte e obtido lucro patrimonial que excedesse o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.
Com isto, inegavelmente teríamos um parâmetro calcado em um percentual oferecido pala própria Lei e não somente ao arbítrio do julgador em um caso concreto.
É bem verdade que uma sugestão como esta não estaria isenta de críticas por grande parte dos juristas brasileiros. Todavia, ao menos parte do objetivo se teria alcançado, que é o de propor a discussão e com o natural debate se criar ao menos um referencial que dê maior segurança jurídica.
Destoando desta disposição, por não estabelecer percentuais, assim como o já transcrito artigo 157 do Código Civil brasileiro, está o texto do artigo 21 do Código Civil suíço ao determinar que em caso de desproporção entre a prestação prometida por uma das partes e a contraprestação da outra, a parte lesionada pode, no prazo de um ano, declarar que rescinde o contrato e repetir o que havia sido pago, se a lesão foi determinada pela exploração de sua necessidade ou sua falta de experiência.
Veja-se que giza desproporção e não se detém a aclarar o conteúdo deste conceito legal indeterminado, justamente por deliberada intenção de deixar ao prudente juízo do julgador e à doutrina tal tarefa.
O Código Civil alemão também conta com disposição neste sentido, com a diferença de que trata da lesão como caso de nulidade absoluta, ao invés do tratamento de nulidade relativa dado pelo Código suíço. Cabe ressaltar que o México e a Polônia inspiraram-se nas disposições suíças.
Ao seu turno, o Código Civil italiano de 1942 àquela época já explicitava que a desproporção entre as prestações somente ensejaria a rescisão do negócio jurídico se o valor pago girasse em torno da metade do valor do bem.
O Código austríaco determina que:
Art. 879 – Son especialmente nulos los contratos en los cuales:
4º Alguien que explote la ligereza, la sujeción que sufre, la debilidad mental, la inexperiencia, la agitación espiritual de otra persona para hacerle prometer, para él o para un tercero, en cambio de su prestación, una contraprestación cuyo valor pecuniario sea flagrantemente desproporcionado con el valor de su prestación.
Art. 934 – Si, en un contrato sinalagmático, una parte no ha recibido ni siquiera la mitad de lo que ella ha entregado a la otra, según el valor ordinario, la ley confiere a la parte lesionada el derecho de demandar la resolución del contrato y la restitución de las cosas a su estado anterior. Empero, la otra puede mantener la transacción proveyendo un complemento hasta la concurrencia del valor común. La diferencia de valor se evalúa al momento de la conclusión del contrato”. (sem destaque no original)

Se tomássemos por base o parâmetro estabelecido pelos sete doze avos indicados pela já referida menção feita por Napoleão, teríamos algo em torno de 60% do valor do bem.
De qualquer maneira, com base no direito e na doutrina estrangeira, ao que parece os valores indicados gravitam nestes percentuais que oscilam entre 50 a 60%.

5. Apontamentos finais.
Após as ponderações alinhadas neste pequeno trabalho, não foi possível que se estabelecessem conclusões acerca do tema eleito.
Tal se justifica na exata medida em que devido a uma série de fatores, tornou-se necessária uma forma diferenciada de codificação civilista privatista: através de um sistema que não fosse nem fechado nem aberto demais, mas com certa mobilidade.
Esta mobilidade, que tem o escopo de proporcionar uma maior aplicação e interpretação das cláusulas gerais, é exatamente o que garantirá a sobrevivência e a atualidade do Código Civil.
Desta maneira, nosso legislador elaborou um grande documento tornado “aberto” por intermédio de conceitos legais indeterminados, de conceitos indeterminados pela função e por cláusulas gerais, já delineadas por renomados doutrinadores.
O Direito não tem como acompanhar com a mesma velocidade o ritmo de relações que ocorrem diuturnamente na sociedade. Assim, não será mais admissível que o legislador possa pensar em normas que definam de forma precisa, certos pressupostos e condutas e consiga antever suas conseqüências num sistema fechado. Um sistema sem mobilidade pode até conferir mais segurança às relações jurídicas, mas pode mais facilmente trazer injustiças.
Desta forma o que mais atende o que a sociedade espera é um sistema permeável, misto. Com isto, a utilizada técnica flexibiliza a rigidez dos institutos jurídicos e das regras de Direito positivado.
Na medida em que foram adotadas as cláusulas gerais, de uma forma bastante genérica, abstrata e cujo conteúdo de não exatidão deixa o sistema de tal forma liberal, isto proporciona ao magistrado a autonomia para colmatar seu conteúdo. Um bom exemplo disto está no texto do artigo 21 do vigente Código, a determinar que a requerimento do interessado, o juiz adotará as providências necessárias. Ora, o leitor questionará: Quais providências? Não se sabe. A cada caso submetido à apreciação, caberá ao julgador identificar e buscar uma maneira de trazer a solução da maneira mais concreta.
Com relação às cláusulas gerais, por meio de criteriosa análise identificamos que o novo Código está repleto delas, caracterizadas como fonte de direito e obrigações. Devemos conhecê-las e reconhecê-las para podermos entender o funcionamento e o regramento deste documento legal. Assim, poderemos encontrar as soluções que o Direito Privado reclama.
Para tanto, é necessário destacar que existe uma enorme interação entre cláusulas gerais, princípios gerais de direito, conceitos legais indeterminados e conceitos determinados pela função.
Os princípios gerais de direito são regras de conduta que norteam a atividade jurisdicional no momento da interpretação da norma ou do negócio jurídico. Auxiliam o magistrado no preenchimento das lacunas e estão inclusive explicitados na Lei de Introdução ao Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Os preceitos do Direito Romano, honeste vivere, alterum non laedere e suum cuique tribuere, são os primórdios destes princípios.
Deste modo, cláusulas gerais são normas orientadoras sob a forma de diretrizes para o juiz. Ao mesmo tempo em que o vinculam, lhe dão liberdade de decidir. São formulações de caráter genérico e abstrato, distintas dos conceitos legais indeterminados, pois estes já contêm a solução pré-estabelecida, como se mostra o caso em análise, objeto de estudo no presente trabalho.
Nas cláusulas gerais, o julgador encontra campo para formular a solução que lhe parecer mais correta, concretizando os princípios gerais de Direito e da razoabilidade.
Um marcado exemplo encontra-se no artigo 421 do atual Código, pois a solução não está na lei. Esta somente prevê o preceito, o reflexo da incidência da norma está reservado ao magistrado.
Dentre outras várias hipóteses, destaca-se ainda o contido no artigo 187, pois o fim econômico ou social exige do magistrado uma atividade ímpar, de forma a compor o conteúdo da norma com a realidade social em que está inserido e principalmente no tempo em que está contextualizado.
Com relação aos conceitos legais indeterminados, podemos entendê-los como palavras ou expressões indicadas por lei, de conteúdo e extensão bastante vagos, genéricos e imprecisos. Portanto, lacunosa é a sua conceituação, a exemplo da função social do contrato. Como estão sempre relacionadas à hipótese de fato posta para o deslinde da questão, fazem com que o juiz, naquele silogismo, ao subsumir o fato à norma, diga se esta é ou não aplicável. Uma vez amoldado o fato ao conceito legal indeterminado a solução já está pré-estabelecida na própria norma, de sorte que ao juiz restará apenas aplicá-la a partir daí, sem nenhuma função criadora. A resolução do contrato prevista no artigo 478 do vigente Código é um bom exemplo, apesar da imperfeição de sua redação.
Superadas estas colocações, restaria à doutrina e à jurisprudência, inclusive por ela orientada, estabelecer razoáveis parâmetros para uma melhor caracterização do instituto. Ora, se em um futuro, que pode ou não ser distante, a experiência comprovar que os parâmetros adotados não atendem o esperado pelo jurisdicionado, então este processo é muito mais simplista de ser revisto do que o legislativo.
Assim, no intuito de manifestar um caminho a seguir, a sugestão que se explicita neste trabalho, inclusive com base na tradição romanista, é se considerar que a lesão seja reconhecida apenas em torno da metade do valor do bem. Com isto, se uma das partes da relação jurídica obrigacional negocial alienou bem seu, seja imóvel ou imóvel e recebeu por ele, somando-se aos requisitos legais da inexperiência ou da premente necessidade, apenas algo em torno de 50% do efetivo valor, então configurada estaria a lesão.
Na mesma linha, se nas mesmas condições, adquiriu um bem por preço que exceda, em 50 % o seu valor, de igual maneira deveria incidir a norma do artigo 157 do Código Civil. Por intermédio deste raciocínio, se um indivíduo “A” aliena bem seu, sob os requisitos da aludida norma, por R$50.000,00 mas o valor deste supera R$100.000,00, ou se adquire por valor superior a R$75.000,00 um bem cujo valor somente alcança R$50.000,00, então a lesão está de plano configurada e sob patamares razoáveis. Aliás, por falar em razoabilidade, é este mesmo raciocínio que deve nortear o operador do Direito se os valores mencionados a título de exemplo oscilarem para um pouca a mais ou para um pouco a menos.
É cediço e esperado que tais considerações serão objeto de ferrenhas críticas. Todavia, viver não é só correr o risco de morrer, mas sim de viver e ser feliz.

6. Referências.
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LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo código civil. São Paulo: Método, 2002.
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MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1971.
MOTA PINTO. Carlos Alberto da. Teoria geral do direito civil. Coimbra: Coimbra Editora, 1999.
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AFINAL DE CONTAS, O QUANTO É LESÃO?


RESUMO: O atual Código Civil inseriu no ordenamento jurídico brasileiro, por intermédio do artigo 157, a lesão como causa de anulação de um ato ou negócio jurídico. Entretanto, o referido Código não estabelece parâmetros para que o julgador possa declarar em um caso concreto se efetivamente ocorreu ou não tal fato. Assim, este artigo, sem a pretensão de esgotar o assunto, apenas se dedica a considerações que possam servir de subsídios ou parâmetros para que o operador do Direito possa utilizar em seu trabalho diário.
PALAVRAS-CHAVE: lesão; parâmetros; subsídios; julgador.


Adauto de Almeida Tomaszewski - Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina.